Rotas gastronômicas, degustações em vinícolas, visitas a produtores rurais. Não tem jeito. O turismo gastronômico veio pra ficar.
Não é de hoje que o turismo tem mudado. Ao invés de simples ofertas de serviço, o turismo tem entrado no segmento das experiências, onde as pessoas conhecem um destino ao mesmo tempo que vivenciam sua cultura, seu povo, suas tradições e, claro, experimentam sua comida.
As mudanças que temos presenciado são consequência de um novo perfil de turista que surgiu, o turista de interesse especial. Na gastronomia, por exemplo, quando se fala nesse tipo de turista, entende-se que ele organiza toda a viagem em função de atividades relacionadas com a comida. Enquanto o turista de interesse geral vai simplesmente se alimentar durante a viagem.
E o melhor: esse novo turista também deixa mais dinheiro no destino onde viaja. Dados recentes da Organização Mundial do Turismo (UNWTO) mostram que enquanto o turista de interesse geral deixa no destino 5% do custo da viagem, o turista de interesse especial deixa 65,6%.
A explicação para essa grande diferença, pelo menos no caso do turismo gastronômico, é que o segmento envolve vários atores do setor turístico – produtores rurais, chefs, restaurantes, mercados, agências de viagem, meios de hospedagem e muitos outros.
David Mora Gómez, coordenador do Master em Turismo Gastronômico do Basque Culinary Center, uma das entidades mais renomadas do setor, com sede na Espanha, acredita que cada vez mais destinos vão investir no segmento de turismo gastronômico. Ele defende que esse tipo de turismo ajuda na preservação do patrimônio cultural gastronômico de um destino, no desenvolvimento rural e ainda fortalece a autoestima das comunidades visitadas.
“É possível preservar o patrimônio cultural e ao mesmo tempo torná-lo lucrativo. Para isso, é preciso fazer um inventário dos diferentes recursos ligados ao patrimônio, como histórias, receitas, roupas e demais itens. E, então, criar um projeto para transformar tudo isso em atração turística autêntica e sustentável”, diz.
Autenticidade. Essa é uma palavra que anda de mãos dadas com o turismo gastronômico. A gastronomia não é só comida, mas uma forma simbólica de comunicação de uma comunidade. Está relacionada com etnia, religião, status e identidade. Quando um turista come em um destino, ele está fazendo uma imersão na cultura local – sensorial e intelectual. Por isso as atividades que vai vivenciar precisam ser reais, únicas, autênticas.
Mas, afinal, o que é o turismo gastronômico?
A Organização Mundial do Turismo define o turismo gastronômico como o ato de viajar para degustar o destino, seus sabores e sua comida, além de realizar atividades que levam para a gastronomia.
David conta que o segmento teve início na Europa. Segundo ele, no final do século 18, a Inglaterra e a Itália já possuíam restaurantes. Depois, nos anos 70, surgiu na França a Nouvelle Cuisine, onde novos restaurantes foram abertos para ofertar essa nova cozinha. E a partir do final do século 20, a cozinha se tornou mais democrática, com muito mais opções de locais para se degustar a gastronomia local. Foi quando teve um boom na oferta gastronômica.
Quais as vantagens do turismo gastronômico?
Em 2015, a Organização Mundial do Turismo reconheceu globalmente o turismo gastronômico como um segmento separado do turismo mundial.
Recentemente, a entidade realizou uma pesquisa entre os 158 países membros, e o resultado mostrou que 88,2% consideram a gastronomia como elemento estratégico para definição de marca, 67,6% acreditam que uma única marca gastronômica foi formada no seu país, e 46,5% dos países possuem uma estratégia gastronômica incluída no plano nacional de desenvolvimento turístico. Ou seja, o mundo considera o turismo gastronômico uma oportunidade.
E isso é confirmado também pela intenção dos turistas: dados da Organização Mundial do Turismo de 2017 mostram a gastronomia como o terceiro principal motivador para viagens, atrás apenas de cultura e natureza.
Só pra se ter uma ideia de como o segmento está em alta, de acordo com a FMI (Future Market Insights) o mercado do turismo gastronômico está previsto para ser de 1.160,70 bilhões de dólares em 2024, com previsão de atingir 5.627,20 bilhões em 2034.
Mas números não são tudo. Entre os muitos benefícios do turismo gastronômico estão a promoção da inclusão e da sustentabilidade, a contribuição para a cadeia de valor do turismo, o auxílio na criação de uma marca do destino e a promoção do turismo sustentável, visto que preserva patrimônio cultural, empodera e nutre orgulho entre a comunidade, promove trocas inter-culturais, o que gera uma maior compreensão dos valores e tradições locais.
Modelos de sucesso pelo mundo
David revela que vários países já saíram na frente quando o tópico é turismo gastronômico. Ele cita a região italiana da Toscana, que ficou conhecida como a meca das aulas de culinária, o Canadá, que criou a Aliança de Turismo Culinário (Culinary Tourism Alliance) pra apoiar a criação de atividades turísticas ligadas à gastronomia. Na França, ele menciona a criação da região de Champagne, que leva turistas durante o ano todo para conhecer a produção da bebida. Na Espanha, a região de Goierri, no país basco, aproveitou a natureza exuberante e cultura produtora de queijo e outros produtos e desenvolveu uma rota gastronômica que inclui visita a produtores, degustação, atividades como ciclismo e visitas a vilas medievais. Nos Estados Unidos, o Napa Valley. Na Argentina, a região de Mendoza, famosa pelos vinhos, e até a Georgia está desenvolvendo um turismo do vinho.
O Peru é outro grande exemplo. Hoje, o país sul-americano é o primeiro na lista entre os 50 melhores restaurantes do mundo, o que eleva a demanda turística. Não poderia ser diferente para um país que desenvolveu uma campanha específica para valorizar a gastronomia local. “Perú, mucho gusto”, realizada pelo Ministério do Comércio e Turismo do Peru, existe desde 2006, e tem atuado na promoção de pratos, ingredientes e toda a cultura que envolve a cadeia alimentar peruana. Governo, chefs e a iniciativa privada se uniram para usar a cultura gastronômica como soft power na promoção do Peru, o que levou a gastronomia peruana para todo o mundo. O resultado foi um aumento de 2,5 vezes no número de visitantes do país entre o lançamento da campanha e 2019, ano antes da pandemia.
E o Brasil?
De acordo com David, o Brasil tem um grande potencial turístico gastronômico. “Um país grande como o Brasil é extremamente diverso em cultura, comida e biodiversidade”. Mas por melhor que isso pareça, deixa mais difícil a criação de uma identidade gastronômica do país. “Talvez trabalhar as localidades independentemente pelo que elas têm de melhor. São Paulo é famosa pela cena da restauração, o Sul do país é conhecido pela produção de vinho, outras áreas como Fortaleza pela pesca.”
Ele sugere que para que o turismo gastronômico seja implantado, o projeto deve ser liderado pelas instituições públicas com o envolvimento das entidades de ensino. “Elas devem se unir para criar planos estratégicos.”
“Primeiro é preciso focar no mercado doméstico, criar essa demanda. Mais tarde, é importante ter restaurantes na lista dos 50 melhores do mundo, além de guias como o Michelin. Isso ajuda a atrair viajantes internacionais e trazer força para a indústria da gastronomia”, finaliza David.