Quem tem filho com Síndrome de Down sabe que uma das maiores preocupações dos pais é a autonomia dos filhos. Se pais de crianças sem nenhuma deficiência já zelam pelo desenvolvimento e segurança de sua prole, imagine quem tem crianças diversas. Mãe de um menino com Down, Iracema Machado foi além das funções da maternidade. Ela criou o Instituto Viva Down em 2017, que hoje atende cerca de 60 adolescentes portadores de Síndrome de Down, além de receber gestantes de bebês com a mesma deficiência. Dentre as atividades oferecidas no instituto estão oficinas de gastronomia que promovem a inclusão na cozinha e ajudam no desenvolvimento dos portadores da síndrome.
Todo mundo concorda que o ato de cozinhar agrega, ao mesmo tempo que liberta. É na cozinha que o alimento que nos nutre ganha forma e sabor. É ali, naquele laboratório sensorial, que ingredientes são transformados em comida. Famílias se reúnem, receitas são passadas, lembranças são revividas. No entanto, a cozinha contém itens que podem ferir seriamente as pessoas, como facas, fogo e água fervente. Por isso que crianças, desastrados e pessoas com deficiência são geralmente deixados de fora desse ambiente para evitar possíveis acidentes.
Entre os que são normalmente excluídos da cozinha estão os portadores da Síndrome de Down, um distúrbio genético causado quando uma divisão celular anormal resulta em material genético extra do cromossomo 21. Entretanto, muitos profissionais defendem que a inclusão é a melhor forma de promover o desenvolvimento desses indivíduos. O psiquiatra José Ferreira Belisário Filho, autor do livro ‘Inclusão. Uma Revolução na Saúde.’, acredita que a inclusão traz grandes benefícios a qualquer criança, com ou sem deficiência, tendo em vista que o convívio entre elas acaba com o preconceito e a discriminação.
Iracema explica que os adolescentes estão ávidos para conhecer, aprender e agradar, e que isso unido ao fato de que muitos portadores de Down gostam de comer, fez com que ela buscasse parceria para implantar um projeto de culinária para eles. “Alguns não assimilam tanto o processo, apenas participam das oficinas para comer, mas outros ficam interessados, estudam”. Inclusive, dois de seus alunos com Down estão cursando Gastronomia em faculdades de Belo Horizonte, cidade onde o Viva Down está localizado.
Luan Mogis Cândido Silva, de 25 anos, é um deles. Luan passou a se interessar em estudar Gastronomia depois que participou do projeto de gastronomia inclusiva ‘Gastro for ALL‘, onde formou-se como garçom e bartender, e passou a trabalhar em eventos, jantares e festas. “Ele sentiu que todas as pessoas das festas estavam muito felizes e deu o clique de que a cozinha traz alegria, tempera e alimenta não só o corpo, mas também a alma. Foi aí que decidiu fazer Gastronomia”, relata sua mãe, Isabel Mogis. Ela conta que as dificuldades e limitações passaram a ser o desafio de seu filho, que continua aprendendo muito, evoluindo, passando por novas experiências e acreditando que está no caminho certo.
O interesse de Luan pela cozinha é comum entre outros participantes das oficinas do professor de gastronomia Eduardo Batista. Ele é um dos integrantes do time do Instituto Viva Down. O professor esclarece que para trabalhar com os portadores de Down, analisa o grau de autonomia de cada um para definir com qual grau de segurança vai trabalhar. “Nem todos têm a mesma noção com corte, uso de faca”, argumenta Eduardo. Devido à limitação mecânica de alguns, ele nota que as formas de algumas comidas não ficam tão simétricas como é o costume, e que é exatamente isso que faz com que ele acredite que tenha mais ganho com as oficinas do que os próprios participantes. “Entro no mundo deles e aprendo a respeitar as diferenças, fazendo a diferença na vida deles e na minha também”.
Projetos que incluem pessoas com deficiência em atividades comuns do dia a dia são um exemplo de como a aceitação da diversidade traz ganhos para todos.