Cereja do mato, uvaia, butiá, guavirova, araçá. Todas essas são frutas nativas do bioma Mata Atlântica, e algumas são também encontradas no Cerrado brasileiro. Suas árvores estão, muitas vezes, presentes em quintais, e quando dão fruto, parte vai para consumo humano e parte beneficia pássaros, insetos e outros pequenos animais. Daniela Carneiro Maximo de Oliveira notava que as pessoas compravam morango, ao mesmo tempo que não faziam nada com as frutas locais.
Médica veterinária pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) com especialização em Agroecologia pelo Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Daniela sabe que as frutas nativas têm um valor nutritivo maior do que as frutas mais comumente compradas, pois estão em seu habitat natural, e ali se esforçam para crescer sem a ajuda de nenhum aditivo, desenvolvendo uma concentração de nutrientes e sabores diferente da alimentação habitual.
Em seu quintal, começou a estudar cada fruta para consumo próprio, até que um amigo chef de cozinha de um restaurante paulistano que ia participar de um concurso na França, pediu para ela amostras de ingredientes diferentes para serem usados na receita. Ela enviou amostras de várias frutas, dentre elas a cereja do mato, caracterizada por sua cor vermelho carmim e acidez acentuada. O sucesso do prato feito com a fruta foi tão grande, que ele incorporou esse e outros ingredientes no cardápio de seu restaurante, adquirindo as frutas congeladas ou em polpa.

Foi assim que a Universina Alimentos, empresa de Daniela que recebe o nome de sua avó paterna, começou a produzir frutas nativas em polpa. Mais tarde, ela levou essa demanda para outras pessoas que também tinham frutas em seus quintais, chácaras e pequenas propriedades rurais, orientando que com o manejo adequado e sem muito gasto adicional, as árvores dariam ainda mais frutos e produziriam mudas para o plantio de novas árvores, valorizando uma planta nativa cujas frutas antes eram deixadas no pé.
Nesse caminho, Daniela descobriu o projeto Cadeia Solidária das Frutas Nativas no Rio Grande do Sul, uma rede de comércio da economia solidária voltada à agricultura familiar. Começou a trocar informações sobre frutas, já que o projeto está inserido no bioma Mata Atlântica, o mesmo de Daniela no planalto catarinense. Essa ação contribuiu no incentivo às pessoas a cuidarem melhor de suas árvores frutíferas, tendo em vista seu valor comercial.

O trabalho da especialista em agroecologia vai além das frutas nativas em polpa. Ela faz parte da coordenação colegiada da Rede Ecovida de Agroecologia, ajudando agricultores e auxiliando no processo de certificação participativa. Os núcleos nos quais interage vão do município de São Joaquim até o município de Zorteia, Santa Catarina, abrangendo cerca de 500 produtores. Essa quantidade de agricultores vem crescendo por diversas razões, como o aumento das doenças relacionadas ao uso de agrotóxicos, a diminuição de qualidade de vida, o agravamento dos problemas financeiros causados pelo gasto excessivo no sistema de plantio convencional, entre outros.
Os produtos comercializados pela Universina Alimentos provém do extrativismo agroecológico e produção com tecnologia sustentável. São PANCs (plantas alimentícias não convencionais), frutas nativas e cogumelos silvestres, resultado de um meio ambiente equilibrado, alcançado também pelo emprego de homeopatia e radiestesia. Tudo o que Daniela comercializa tem história, relação com a infância e o território. São esses produtos que levaram chefs como César Costa, do restaurante Corrutela, e Paola Carosella, chef argentina do restaurante Arturito, ambos em São Paulo, a irem para Lages descobrir novos sabores e narrativas.

Esse movimento da gastronomia em busca de alimentos de qualidade, alinhados com as histórias por trás deles, tem feito de Daniela um importante elo de comunicação entre quem cultiva e quem transforma as plantas em comida. Seu trabalho beneficia a cadeia de produção alimentar valorizando a biodiversidade ofertada em sua região. “Eu tenho uma relação de afeto com o mundo das plantas, animais e fungos, e conecto esse mundo com o da gastronomia por meio da bagagem adquirida na tradição oral de minhas vivências”, explica. As plantas de sua avó Universina, que ainda são desconhecidas pela maioria, estão voltando a ganhar relevância com essa interação.