Recebi dois potinhos com água e um tomate cereja dentro de cada um. Ao ser instruída a comer o primeiro tomate e, na sequência, comparar com o sabor do segundo, percebi que tudo o que eu sabia até então sobre água tinha se dissipado. Um tomate tinha ficado muito mais adocicado justamente por ter sido imerso em uma água diferenciada. Essa experiência me levou a repetir em voz baixa o que o chef que estava dando a aula explanou: “A água é o ingrediente mais importante da cozinha”.
Mas será que somente da cozinha?
Depois que comecei a entrevistar chefs e produtores de alimento, compreendi que a água faz realmente diferença no resultado final de um prato ou produto. Ela não é um mero coadjuvante. Tem o poder de transformar cor, sabor e textura de tudo aquilo que entra em contato. Por isso sua qualidade deve ir ao encontro do que cozinheiros e produtores necessitam para valorizar seu ganha-pão, a comida.
Um exemplo disso vem de Maceió, Alagoas, onde Paula Marroquim produz microverdes. Ela defende que se a água correta não for usada em seu plantio, pode perder toda a produção. O que quase aconteceu recentemente. A produtora teve uma queda de faturamento e culpa a água por isso. “De novembro para cá eu tenho tido perdas inacreditáveis. Um fungo atingiu as minhas plantinhas e tudo indica que veio pelo sistema de abastecimento de água. Tive que refazer todo o sistema de filtragem, usando um filtro mais potente”, explica.
Um risco enorme pra quem lida com plantinhas extremamente sensíveis. Os microverdes crescem em um período muito curto, por isso que os cuidados com a água devem acontecer desde o início do processo, já na higienização das bandejas onde as plantas ficarão durante o período de desenvolvimento, e se estender durante todas as etapas. “A minha empresa é uma fazenda urbana, com influência de todos os poluentes que tem uma cidade. Então tenho que tomar bastante cuidado com a água. É um investimento importante e eu não meço esforços para dar o melhor. Inclusive, tem vezes que acho que a água das plantas é mais saudável do que a água que eu tô tomando”, fala Paula.
Assim como Paula, que depende do abastecimento de água da cidade para sua plantação, uma padaria de Florianópolis, Santa Catarina, também utiliza a água da cidade em sua produção. A estratégia, nesse caso, não é diferente da de Paula. Um filtro de mais ou menos 100 litros substitui o uso da água da torneira. A chef de padaria Fernanda Padula, responsável pelos pães e pizzas do estabelecimento, diz que o ph da água é regulado pela empresa que fornece o equipamento. “O pão e a pizza são feitos com fermento natural, então o certo para o crescimento da massa é usar água com ph neutro”.
Segundo Fernanda, a água que ela acresce farinha e sal pra fazer as massas da padaria passa por três filtragens, o que elimina as impurezas, regula o ph, chegando à água que ela considera perfeita para manter a qualidade na panificação. Resolvidos esses problemas, o único aspecto que ela precisa prestar atenção em relação à água é a temperatura, pois muito fria retarda o fermento, e muito quente mata as leveduras.
Até aqui já percebemos que algo “simples” como a água pode ser muito mais complexa do que imaginamos. Mas o assunto não para por aqui. Ela ainda pode ser item essencial na definição da qualidade de carnes.
Isso quem acredita é o produtor Antônio Ricardo Sechis, responsável por um spa bovino no interior do estado de São Paulo, que produz uma das melhores carnes do Brasil. “A água é parte do terroir de uma fazenda”. De acordo com Ricardo, a qualidade da carne está ligada a uma série de cuidados dos animais, como bem-estar e a comida e a bebida que consomem. “Uma água cristalina, bem oxigenada, de ph equilibrado e com bons minerais faz os animais ganharem mais peso. Estudos informam que o ganho de peso pela qualidade da água pode chegar a 5%”.
Reconhecida pela excelência dos cortes, com qualidade em marmoreio e sabor, a empresa de Ricardo produz carnes que exprimem o modo de vida do animal. Mas quase ninguém imagina que a água é um dos fatores levados em consideração. “Eu dou muito valor à qualidade da água. Por isso adoto os melhores procedimentos para manter a água limpa, energizada e oxigenada nos bebedouros. Gosto sempre de perguntar aos funcionários se a água dos bovinos estão aptas para bebermos”, relata Ricardo.
E a lista de ganhos pelo uso de uma água apropriada vai além da produção de animais, agricultura e restaurantes. Ela se estende para as cozinhas de nossas casas. A água que fazemos nosso café, que lavamos nossos legumes, que cozinhamos a nossa massa atua diretamente em muitos aspectos daquilo que vamos degustar. Então, você ainda considera a água incolor, inodora e insípida?
Por Leyla Spada.