Embutidos estão no centro da mesa de todas as celebrações italianas. De um happy hour casual com amigos, dentro do croissant no café da manhã, servido como aperitivo para o jantar em fatias, juntamente com queijo e pão, ou como parte intrínseca em pratos tradicionais em toda a península.
Através da história alimentar italiana, porcos têm sido um elemento enredado na alimentação de pobres e ricos. Raças de porcos nativos descendentes de javalis foram domesticadas e pastoreadas pela floresta da Cordilheira de Apeninos, do Piemonte à Sicília, onde se alimentavam de castanhas, nozes, faias e carvalhos europeus, ou outras frutas selvagens e castanhas, além de raízes e ervas. No Império Romano antigo, a pecuária suína era um trabalho sério, e dois tipos de porcos eram comuns: o grande, aquele porco rural de pernas longas, mantido próximo à cidade de Roma. Os porcos de chiqueiro recebiam palha e um local confortável para viver; e eram servidos com lentilhas, cevada, trigo, grão de bico, figos secos, mel e feijão, o que dava um sabor bom à sua carne. Diferentemente de ruminantes, porcos possuem somente um estômago para digerir sua comida, e os ácidos graxos de sua comida refletem nos sabores de sua gordura; os romanos sabiam que um porco mal alimentado produziria gordura com pouco sabor e carne insípida.
O outro tipo de porco era o porco da floresta, de pernas curtas, que percorria livremente as montanhas e pastos, e alimentava o povo da época juntamente com comida forrageada. No seu livro Italian Cuisine (Cozinha Italiana), Montanari e Capatti recontam contos históricos do “pobre comendo cardo (típica planta do Mediterrâneo) com sal e ervas selvagens”, e a ingenuidade daqueles “fazendo pão com linhaça, frutos silvestres e semente de uva”, para incrementar o aprendizado desenvolvido pela necessidade de encontrar fontes alimentícias nos lugares mais improváveis, e preservar o que estava disponível para mais tarde. Sal, eles argumentam, é o “gosto da cozinha do pobre”, e preservar a carne de porco – e outras comidas – usando sal estava embutido na vida e sobrevivência nas “economias rurais que não podiam confiar nelas mesmas para o mercado diário ou o capricho das estações”.
A gordura saudável e saborosa fez da carne de porco a mais confiável entre os embutidos, mantendo a maciez e sabor sem ficar rançosa. A gordura era também usada para sustento e conservante, junto com o sal para criar o amado lardo usado para cozinhar, assar ou como condimento. Manuais romanos de agricultura mantêm os detalhes de cura da perna do porco em sal, usando um recipiente de cerâmica. Camadas de sal eram adicionadas à perna, e depois cobertas com outra camada de sal, então mais perna e sal, até preencher o recipiente. Cinco dias depois, esvaziava-se o recipiente, e fazia-se as camadas novamente, começando com a perna que estava por cima. Depois de 12 dias, removia-se as pernas, retirava-se o sal, e pendurava-se para secar por dois dias; então esfregava-se vinagre e óleo, defumava-se as pernas por dois dias, e pendurava-se na ‘casa da carne’. Os romanos amavam a altamente apreciada carne suína curada de um grupo gálico do norte da Itália, nas proximidades de Parma, que curava entre 3 e 4 mil presuntos por ano para mandar para Roma, competindo com aqueles vindos da Espanha.
Depois da queda do Império Romano em 476 d.C., os porcos de chiqueiro perderam a posição, e os porcos de floresta tornaram-se a carne escolhida. Na alta Idade Média, as florestas eram medidas de acordo com a quantidade de porcos que conseguiam alimentar. Durante esse período, a região da Emilia-Romagna desenvolveu uma grande cultura suína. Os porcos eram criados de forma selvagem ou semi-selvagem aos pés da Cordilheira de Apeninos, aumentando a produção de salames e embutidos. A importância do porco continuou pelos séculos 18 e 19 na Emilia-Romagna devido à forte tradição de agricultura familiar e faxinais. Recontagens de porcos criados em sistemas selvagens e semi-selvagens foram encontradas até a metade dos anos 1800 pela Cordilheira de Apeninos, descendo até Lazio, Toscana, e Sicília e Sardenha; unidas a relatórios detalhados, as recontagens chegaram a um número estimado de 22 raças autóctones em partes diferentes da Itália.
No final do século 19 e início do século 20, uma nova tendência começou a surgir na Planície Padana (as terras planas ao norte da Itália), onde o apetite voraz dos porcos tornou-se uma solução para consumir o descarte das crescentes indústrias de leite, grãos usados na produção de cerveja, e cascas de arroz. As raças autóctones não eram ideais para a vida em confinamento, dando caminho para a introdução de raças estrangeiras para cruzarem com raças locais, “com a intenção de melhorar as raças italianas, começando com a substituição de raças locais, que levariam à extinção de muitas raças italianas e o encolhimento do número das que sobraram”. A introdução das raças Large White do Reino Unido, Landrace da Dinamarca e Duroc dos Estados Unidos e suas hibridizações criaram a versão Italiana dessas raças, o que causou a extinção de mais de uma dúzia de raças autóctones que tinham se encaixado às culturas da indústria suína e da salumeria por séculos. Os espaços de confinamento apertados provocaram doenças nos porcos, e o uso de antibióticos tornou-se uma prática necessária, juntamente com a adição de vitaminas e minerais para balancear a dieta pobre.
Mais mudanças vieram com o desenvolvimento de tecnologia de pavimento de ripas em 1950, permitindo que as instalações de porcos eliminassem a palha para coletar urina, que também fornecia conforto e calor, em troca de cimento e metal que poderiam facilmente ser lavados, resultando em espaço para mais porcos. Porcas eram movidas para cestas de gestação, e lá pelos anos 2000 todas as raças eram reproduzidas por inseminação artificial. Com o boom de soja e milho transgênicos a baixo custo vindos da América do Sul, a dieta dos porcos italianos mudou para ainda mais longe da tradicional, ficando mais perto do sistema global de alimentação homogeneizada, fornecendo aos porcos italianos industriais um sabor não diferente daqueles dos Estados Unidos, Dinamarca e China.
Atualmente, a Itália tem reconhecidas 43 Denominações de Origem Protegida e Indicações Geográficas de Procedência em embutidos, fazendo do país o maior detentor do mercado de embutidos do mundo, segurando um terço do total da produção de embutidos da União Europeia. O objetivo dessas Indicações Geográficas Protegidas é proteger a propriedade intelectual das comunidades e promover seus produtos únicos, suas tradições e heranças. Ainda, olhando para a história da criação de porcos e embutidos produzidos na Itália, a indústria moderna dificilmente assegura o gosto da tradição. O termo tornou-se uma ferramenta de marketing brilhante para mais de 13 milhões de prosciutto crudo produzidos anualmente na Itália, e milhões de quilos de outros embutidos vendidos no país e no mundo orgulhosamente carregando a bandeira italiana, mesmo quando a carne tenha sido terceirizada de outro país ou continente.
Em algumas áreas da Itália, pequenos produtores continuam a lutar contra a indústria para manter as tradições da pecuária suína e produzir embutidos com sabores ricos que sustentam o nome de algumas raças sobreviventes. Entre eles, finocchiona di Cinta Senese e prosciutto di Maiale Nero, em um esforço para preservar a herança verdadeira de diferentes regiões, mostrando o gosto da terra, e respeitando a rede ambiental e social construída ao redor dessa tradição cultural alimentar.