Uma cidade com alma. É somente dessa forma que consigo descrever o município de Urussanga, no sul de Santa Catarina, onde, pelo terceiro ano consecutivo, deixo o verão nas praias de Florianópolis pra trás e vou em busca de histórias e experiências ligadas à uva Goethe.
Essa uva tão antiga, que encontrou em Urussanga e outras cidades do entorno seu terroir ideal, é quem leva anualmente durante os meses de janeiro e fevereiro milhares de turistas à pequena cidade, quando acontece a Vindima Goethe.
Engana-se quem imagina um amontoado de gente disputando uma taça de vinho ou um espaço embaixo do parreiral para uma foto. Mesmo com um maior fluxo de visitantes, Urussanga consegue manter sua tranquilidade de cidade do interior. E acreditem, isso é luxo!
História
Urussanga foi fundada em 1878 por imigrantes vindos do norte da Itália, principalmente das regiões do Vêneto, Lombardia, Friuli Venezia Giulia e Trentino Alto Adige. E como não podia deixar de ser, a Itália está em tudo: nas orelhas de gato da padaria, na réplica da Pietà de Michelangelo presente na catedral, nos nomes de restaurantes como Nonno Lauro e Piatto D’oro, nos produtos coloniais como salame e queijo e, claro, na tradição da produção de vinho, item indispensável na mesa das famílias urussanguenses.
Uva Goethe
No final do século XIX, o regente do consulado italiano Giuseppe Caruso Mac Donald levou a uva Goethe à Urussanga, onde se adaptou muito bem aos solos e clima, o que fez com que se tornasse a uva mais difundida entre os colonos italianos.
Atualmente, essa variedade de uva tem a colheita quase que inteiramente destinada à produção de vinhos brancos e espumantes, produtos que viraram a marca registrada de Urussanga e outras sete cidades que se localizam entre as encostas da Serra Geral e o litoral Sul catarinense.
Vales da Uva Goethe
Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara integram os Vales da Uva Goethe, região geográfica que desde 2011 delimita a área de produção da primeira Indicação de Procedência (IP) de Santa Catarina. Esse título constata que o vinho produzido na região é único, apresentando características enológicas, históricas e culturais.
O termo Indicação de Procedência se refere a uma das duas divisões da Indicação Geográfica (IG), um registro concedido no Brasil pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial). Segundo a instituição, “as Indicações Geográficas se referem a produtos ou serviços que tenham uma origem geográfica específica. Seu registro reconhece reputação, qualidades e características que estão vinculadas ao local. Como resultado, elas comunicam ao mundo que certa região se especializou e tem capacidade de produzir um artigo/prestar um serviço diferenciado e de excelência”.
Atualmente, o país possui 126 IGs, sendo 97 Indicações de Procedência (IP) e 29 Denominações de Origem (DO). A DO vai um pouco além da questão geográfica, levando também em consideração o saber fazer de uma cultura e as condições geográficas daquele ambiente.
Dentre os municípios que fazem parte da IP Vales da Uva Goethe, Urussanga é que possui o maior número de vinícolas, quatro – Casa del Nonno, Vigna Mazon, Vinícola Trevisol e Vinícola De Noni. Durante o período da vindima, elas oferecem atividades que vão desde sunsets com música ao vivo até almoços italianos tradicionais onde se pode fazer a pisa da uva. Tem pra todos os gostos!
Durante minhas idas à cidade, já fiz a “imersão Goethe” na vinícola Casa del Nonno, onde o produtor Matheus Damian apresentou lotes exclusivos de vinhos Goethe. Já participei da pisa da uva na Vigna Mazon, onde tive a oportunidade de conhecer as três mulheres à frente da vinícola – avó, mãe e filha, além de ter curtido o “merendin Trevisol”, um piquenique ao ar livre nas pastagens da vinícola com mesmo nome. O tombo da polenta da Vinícola De Noni vai ficar para o ano que vem.
Pousada Vale dos Figos
Neste ano, aliei vindima com uma hospedagem pra lá de especial: a Pousada Vale dos Figos, onde os bangalôs coloridos estão inseridos numa área extensa de Mata Atlântica preservada. A pousada não tem uma programação especial como as vinícolas, mas como os proprietários também são produtores de vinho, os parreirais ficam à disposição de hóspedes e visitantes para colherem uvas pra levar pra casa. Dessa vez, acompanhei de pertinho a colheita das uvas Goethe de lá e a paixão que João Otávio De Pellegrin e a filha Giovanna têm pela uva e pelo vinho que produzem, o Alma di Goethe. Toda essa paixão é transformada em um vinho delicado, de alta qualidade, que pode ser adquirido na pousada.
Entre cachoeiras, parreirais, contato com a natureza e um tratamento pra lá de especial, a Pousada dos Figos entrega muito mais do que uma noite de hospedagem. Ela entrega a alma acolhedora de Urussanga.
Por Leyla Spada