“– Qual é a palavra pra quando temos medo de algo bom acontecendo porque achamos que algo ruim vai acontecer em seguida?
– Eu não sei… Vida?” – The Bear, 1a temporada.
Esse diálogo entre os personagens Carmy (Jeremy Allen White) e Richie (Ebon Moss-Bachrach) resume a essência da série The Bear (O Urso). A produção, que já está na terceira temporada (com a quarta quase saindo do forno), é fenômeno de crítica, público e premiações. Categorizada como “comédia”, pra mim ela tem muito pouco de comédia, honestamente. Sim, há momentos de alívio cômico, ironia, respiro na loucura – mas tudo isso só nos aproxima mais do drama, que é denso e penetrante. Como um prato de comida afetiva e apimentada.
Se você ainda não assistiu, talvez já tenha passado por alguma imagem ou cena de The Bear circulando nas redes sociais. Se não, nunca tinha ouvido falar, calma que eu já te conto mais sobre essa história. Adianto que é sobre comida, mas também sobre gente. É sobre equilibrar emoções e relações difíceis numa alquimia que pode se comparar à criação complexa de um menu.
Na onda de The Bear, preparei um Top 10 de filmes e séries que você precisa assistir, se, assim como eu, ama ver no cinema as sensações de uma boa comida, além dos limites psicológicos e o afeto envolvidos no ato de cozinhar.
10 – Midnight Diner (série)
Começo com a última posição – mas ainda assim muito merecedora da lista. Midnight Diner se passa dentro de um pequeno restaurante de comida caseira em Tóquio, no Japão. Com episódios curtos, cada capítulo é a história de um cliente do restaurante e sua relação com o prato favorito. O cozinheiro está sempre presente na narrativa, seja cozinhando, servindo ou tecendo conversas com os frequentadores do local, que só abre à meia-noite e é um refúgio tranquilo em meio ao agito noturno da cidade.
Onde ver: Netflix
9 – Servant (série)
A nona posição vai para uma série que, sinceramente, eu não cheguei a ver inteira. Não por falta de qualidade, pelo contrário: Servant é uma série de terror que virou cult instantaneamente – embora forte demais pra mim, rs. É uma história sobre luto, uma família em pedaços, uma babá sinistra e uma força sobrenatural pairando sobre um ambiente corroído. Atuações impecáveis, narrativa avassaladora e um olhar que só poderia vir do diretor M. Night Shyamalan, o mesmo do Sexto Sentido.
Ok, mas o que um série de terror faz nessa lista gastronômica? Explico:
Um dos personagens da série é chef de cozinha e, apesar do enredo não ter a ver diretamente com comida, praticamente todo episódio traz alguma cena com ingredientes exóticos e receitas preparadas com uma violência que beira à busca insana por perfeição – ou por algo que nem tem nome.
Onde ver: Apple TV
8 – Comer, rezar e amar (filme)
Baseado num best-seller, o filme Comer, Rezar e Amar talvez tenha superado a fama do livro. Se tornou instantaneamente um sucesso – e eterna opção para os momentos que pedem um filme-conforto. Com Julia Roberts no papel principal, Liz Gilbert é uma mulher que, depois de uma desilusão amorosa e um milhão de dúvidas sobre o sentido da vida, decide começar uma viagem sozinha de autoconhecimento. Isso inclui, claro, provar muitos novos sabores.
O filme, que passa pela Itália, Índia e Bali, explora o papel da comida nesse reencontro consigo mesma, fazendo a personagem descobrir o poder agregador e libertador de uma boa comida. Principalmente quando se trata da culinária italiana. Dica: faça uma macarronada ou asse uma pizza para assistir o filme.
Onde ver: Netflix
7 – Tavern Man (filme)
Um filme de 15 minutinhos que demorou muito tempo pra sair da minha cabeça – se é que já saiu. O dono de uma taberna caseira e antiga em Guimarães, cidade do interior de Portugal, experimenta novos preparos na cozinha do local, que já não recebe muitas visitas além das moscas. Mesmo que ele se esforce em preparar as melhores e mais tradicionais sardinhas, um restaurante novo aberto na mesma rua do centro histórico chama mais atenção de quem chega por ali.
Um filme poético sobre solidão e gentrificação. Com um detalhe: não há diálogos! Uma obra-prima.
Onde ver: MUBI
6 – Bao (filme de animação)
Sensível. É essa a palavra que descreve Bao, animação sobre uma mãe com síndrome do ninho vazio que adora cozinhar. Com saudade do filho que saiu de casa, a personagem ganha uma nova oportunidade de ser mãe quando um dos bolinhos que ela costuma preparar ganha vida. Ela passa a cuidar dele como se fosse um bebê. Até que um dia esse “filho-bolinho” também começa a crescer e se tornar independente.
De uma delicadeza única, o filme nos emociona com essa absurda fantasia de um bolinho-humano e as dores envolvidas na maternidade. Não à toa, Bao ganhou o Oscar de Melhor Curta de Animação em 2019.
Onde ver: Disney
5 – Street Food (série)
Já faz uns anos que assisti essa série e algumas histórias continuam fortes na minha cabeça. O documentário mostra histórias de gente que produz comida de rua em diferentes cidades do mundo. Com personagens incríveis, Street Food reverencia não só as comidas populares de cada lugar, mas também o costume de cozinhar e comer na rua, em comunhão com a cidade ao redor.
A segunda temporada é ainda mais especial porque é toda filmada na América Latina. Desta segunda parte, meus episódios favoritíssimos são os que se passam em Oaxaca, no México (episódio 3, temporada 2) e Salvador, no Brasil (episódio 2, temporada 2). Neste, é impossível não ficar totalmente apaixonada pela Dona Suzana, dona do RéRestaurante. No quintal de casa, no Solar do Unhão, ela recebe os clientes como se fossem da família e serve o melhor da comida baiana – isso inclui o carisma inigualável que só se encontra na Bahia.
Onde ver: Netflix
4 – Flavors of Youth (filme de animação)
Sim, mais uma animação – e em algum lugar desta lista ainda teremos outra. Pra mim, os desenhos (especialmente orientais) têm uma vocação para elevar os sentidos e aprofundar a poesia de um prato de comida. Esse filme é prova disso. Flavors of Youth (Sabores da Juventude) se divide em três histórias diferentes, todas ambientadas na China. Em comum entre elas está o amor dos personagens por receitas típicas e o contraste entre o caos urbano e as coisas simples da vida. Meu destaque vai para o primeiro conto, que me deixou tão emocionada quanto faminta!
Essa é chinesa, mas animações japonesas também costumam ter uma ligação muito forte com a cozinha. Sou fã do Studio Ghibli, o mais famoso studio de anime do Japão, criador de clássicos como Meu Amigo Totoro e A Viagem de Chihiro – dois filmes que estão entre meus favoritos e só não estão nesta lista porque não têm o foco na comida. Mas, assim como a maioria das produções do Studio, sempre tem uma cena ou outra de comida suculenta sendo saboreada. É difícil não ficar com água na boca!
Onde ver: Netflix
3 – Julie and Julia (filme)
Este filme é uma delícia de assistir. E o motivo não é a comida – embora Meryl Streep cozinhe o tempo todo! Bom, se eu falei o nome Meryl Streep talvez você já saiba porque eu acho Julie and Julia maravilhoso, né? – afinal, estamos falando de uma atriz praticamente perfeita. Nessa produção, ela faz o papel de Julia Child, cozinheira icônica da história dos Estados Unidos.
Para completar, o filme traz Amy Adams (outra atriz fenomenal!) no papel de Julie Powell, uma nova-iorquina frustrada com a própria vida, que resolve ler o lendário livro de culinária francesa de Julia, Mastering the Art of French Cooking, e reproduzir todas as 524 receitas. Durante a missão pessoal, a narrativa faz idas e vindas no tempo mostrando a trajetória profissional de Julia Child. É um filme divertido, leve e inesquecível.
Onde ver: Prime Video
2 – Ratatouille (filme de animação)
Apenas uma das minhas animações favoritas. Ratatouille é um clássico: Remy é um rato que sonha em ser chef de cozinha – coisa que o pai não entende e desencoraja. Um dia, pela rede de esgoto, acaba chegando a um restaurante renomado de Paris e resolve entrar para espiar. Faz amizade com Linguini, um rapaz humano que limpa a cozinha e não tem nenhuma habilidade para cozinhar (mas deseja fingir que sabe para ser reconhecido pelo chef do restaurante, seu pai biológico).
Remy e Linguini fazem um acordo: o rato se esconde dentro do chapéu de chef do amigo, comandando tudo através de puxões de cabelo – é pelos espasmos que Linguini vai executando as técnicas culinárias do ratinho.
Lindo, emocionante, com uma mensagem tocante sobre o real papel da gastronomia – spoiler: não é agradar a alta sociedade nem a crítica.
Onde ver: Disney
1 – The Bear (série)
Eis a série do momento. The Bear já deixou uma marca e, por isso, merece o primeiro lugar na minha lista. A premissa parece simples: Carmy, um chef talentoso e acostumado a trabalhar em restaurantes da alta gastronomia, volta para à cidade natal, Chicago, para tocar uma pequena lanchonete de sanduíches de carne chamada The Beef. O dining era do irmão dele que acaba de cometer suicídio – é por amor que Carmy não abre mão de salvar o restaurante e, talvez, transformá-lo em um lugar de sucesso. Mergulhado na dor dessa perda violenta, o chef precisa lidar com as emoções da equipe do The Beef, também abalada com a tragédia.
Se prepara: a primeira temporada tem o ritmo de uma queda livre e a insanidade de uma cozinha em pleno desequilíbrio. Prende a respiração e vai! Vale a pena mesmo assim? Sim, vale cada minuto. A segunda temporada é, pra mim, ainda melhor, se aprofundando nos personagens e nas relações familiares doentias. A terceira deixou a desejar. Mas The Bear ainda tem meu coração e minha espera ansiosa pela quarta parte!
Onde ver: Disney
Por Amanda Santo