Os encantos deste vale foram doses diárias de saudosismo, inspiração e também o vislumbrar de novas oportunidades de vida para milhares de imigrantes italianos que colonizaram o sul de Santa Catarina no final do século XIX. Neste lugar, encontraram terra fértil e desenvolveram muitas de suas habilidades trazidas da pátria-mãe, como o cultivo de uvas e a produção de vinhos. Conhecida atualmente como a Indicação de Procedência (I.P.) ‘Vales da Uva Goethe’, a trajetória desse território percorre um caminho repleto de história e reconhecimento, que volta a ser valorizado.
O ex-presidente do Brasil Getúlio Vargas era um grande apreciador dos então “vinhos brancos de Urussanga”, reconhecidos com medalhas nacionais e internacionais. Em 1942, Vargas inclusive implantou nesta cidade uma subestação de Enologia vinculada ao Ministério da Agricultura para desenvolvimento do setor. Segundo historiadores, o vinho Goethe era servido nas recepções diplomáticas no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, sede do Governo Federal na época, no Jóquei Clube do Rio e nas recepções oficiais do Copacabana Palace.
Nesta história mais que centenária desta variedade de uva, novos capítulos foram escritos nas últimas duas décadas. Desde 2004, com apoio do Sebrae e de outras instituições como Ministério da Agricultura, EMBRAPA, Epagri, universidades e prefeituras de alguns municípios catarinenses, uma intensa mobilização e união de forças desenvolveu e culminou na conquista da primeira I.P. de Santa Catarina, reconhecendo apenas no ano de 2012 o potencial deste produto típico.
“Esse trabalho de resgate teve início com a criação da Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe (ProGoethe), que reúne a cadeia produtiva. Foi um processo demorado, na época pouco entendido pela falta de esclarecimento sobre a importância disso. O dossiê montado para o INPI sobre esta I.P. é até de um nível superior, de uma Denominação de Origem (D.O.). O Sebrae de Santa Catarina usou nosso caso como modelo, e fez o mesmo com produtos diferenciados como banana, mel, entre outros. O grande diferencial da I.P. Vales da Uva Goethe é a territorialidade, e por isso é mais completa, pois foi elaborada em cima de um território demarcado onde existe essa variedade de uva diferenciada das outras”, explica Giselda Trento Mazon, ex–presidente da associação ProGoethe e proprietária da vinícola Vigna Mazon.
A multiplicação do turismo
A singularidade das praias, os encantos dos campos e da serra, e a diversidade étnica de Santa Catarina são características que refletem na tradição e inovação voltadas à produção vinícola. Em especial, o peculiar terroir Vales da Uva Goethe apresenta particularidades brasileiras. A localização entre o mar e a serra aliada às características de solo, clima, altitude e relevo é a combinação de fatores naturais que resulta em vinhos, frisantes e espumantes leves, frescos e aromáticos.
A região vive uma fase promissora e já colhe excelentes frutos nos últimos anos, tanto em relação ao enoturismo quanto à produção de produtos. De acordo com Giselda, depois da conquista da I.P., o fluxo de turistas triplicou. Participações em feiras, propagação de produtos entre profissionais e consumidores, e divulgação no meio digital intensificaram essa busca e difusão da I.P. Vales da Uva Goethe. A consolidação de atrativos também durante a colheita da uva e as festividades da Vindima Goethe fizeram o turismo ter novas projeções.
No mundo do vinho, criações são aperfeiçoadas a cada safra como verdadeiras obras de arte para serem admiradas e apreciadas. O jovem Matheus Damian, terceira geração da vitivinícola Casa Del Nonno, aposta na venda virtual e criação de novos produtos, inclusive com limite de produção.
Um dos projetos implantados com microlotes ousou ao elaborar um vinho inédito com uma levedura natural da própria casta, lapidada após quase uma década de pesquisas por especialistas. Como resultado deste extraordinário tesouro científico, o consumidor aprecia uma essência original e complexa da uva Goethe. Em contrapartida, outras vinícolas desta região aprimoraram suas experiências enoturísticas.
Esta rara variedade de uva, a Goethe, é reconhecida também pelo movimento internacional Slow Food. As peculiaridades dos vinhos brancos, frisantes e espumantes da região, como perfumes e sabores de frutas nativas do Brasil, vêm conquistando, aos poucos, os consumidores brasileiros e novos apreciadores por serem típicos e únicos, descontraídos e refrescantes, complexos e persistentes, exclusivos desta região no Sul de Santa Catarina.
A colheita da uva na cidade de Urussanga, com cerca de 20 mil habitantes, ganha novos e promissores significados a cada safra devido à procura de visitantes para conhecer os produtos da Indicação de Procedência Vales da Uva Goethe. É dessa forma que o território se fortalece como uma opção de destino aos viajantes – um roteiro enoturístico que proporciona envolvimento e encantamento com a identidade cultural através de experiências peculiares.
Um novo reconhecimento
O próximo passo desta história tão consagrada é a busca por uma nova conquista: a evolução da Indicação de Procedência (I.P.) Vales da Uva Goethe para uma Denominação de Origem (D.O.). O processo já está em andamento e a expectativa é que sejam executados os trâmites desta solicitação ainda este ano.
“Com o auxílio de órgãos competentes mudamos um pouco as normas para como a D.O. no Brasil é estipulada. Assim estamos lutando para ser a primeira D.O. de vinhos de Santa Catarina e a segunda no país. Hoje notamos um reconhecimento grande, até de fora do Brasil por professores e profissionais que fizeram estudos do solo e clima. A demanda mais expressiva de turistas, a própria região sendo mais valorizada, as vinícolas melhorando produtos e serviços. Como associação, nós produtores estamos satisfeitos com a evolução e o reconhecimento dos nossos produtos. Foi muito tempo para que nosso povo tivesse orgulho dessa conquista e agora vemos esse trabalho de longa data ser coroado”, frisa Giselda.
Sobre o território
O território Vales da Uva Goethe compreende os municípios de Urussanga, Pedras Grandes, Cocal do Sul, Morro da Fumaça, Treze de Maio, Orleans, Nova Veneza e Içara. A Associação dos Produtores da Uva e do Vinho Goethe (ProGoethe) reúne a cadeia produtiva com o objetivo de elevar a imagem deste produto distinto e raro a fim de preservar, por meio do cultivo desta tradição feita por pequenos produtores, a identidade e cultura de descendentes de italianos no Sul de Santa Catarina por meio da vinificação e harmonização com a gastronomia típica local. As vinícolas associadas à ProGoethe são Casa Del Nonno, De Noni, Quarezemin, Trevisol e Vigna Mazon.