Os índios tupis tinham uma forma muito inusitada de marcar a passagem dos anos. Eles tomavam como base a frutificação dos cajueiros, que acontece de dezembro a janeiro. Durante a safra do caju, cada indivíduo guardava uma castanha de caju dentro de um recipiente para contar a sua idade. Essa tradição, pesquisada por Tathiana Alves Bragaglia, fundadora da Nulu Alimentos Funcionais, potencializou a escolha do ingrediente principal dos queijos veganos de sua empresa: a castanha de caju.
“A castanha de caju é um alimento com uma quantidade boa de gordura, tem um sabor mais neutro, e é um produto brasileiro”, explica ela o motivo da escolha do fruto para ser a base da mussarela, manteiga e do queijo de Akaîu da Nulu. Akaîu, em tupi, significa caju.
O cajueiro é uma planta nativa do nordeste brasileiro que possui uma capacidade de adaptação muito boa a solos de baixa fertilidade e com estresse hídrico, o que a torna de suma importância na fonte de renda de produtores das regiões semiáridas do país. De acordo com a Embrapa, por produzir em pleno período seco, na entressafra das culturas anuais, o cajueiro é essencial para a geração de empregos tanto no campo quanto nas indústrias, principalmente nos estados do Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte.
A sua notabilidade sócio-econômica fez com que Tathiana buscasse um fornecedor local para que seus produtos beneficiassem o consumidor, mas também fizessem parte de um comércio justo, no qual o produtor recebesse um valor adequado pelo seu trabalho. Por isso, a Nulu compra toda a sua castanha de caju de uma cooperativa no Piauí que está em processo de certificação orgânica. Mais do que isso, a empresa tem como um de seus princípios o rótulo limpo (clean label), o que significa que seus produtos são transparentes. Sendo assim, a empresa faz pouco uso de ingredientes na composição, e utiliza somente produtos naturais, sem corantes e aromatizantes artificiais.
Tathiana entrou no mundo dos laticínios veganos por ser vegetariana. Como consumia muitos produtos lácteos, quis mudar a dieta e fez um curso para aprender a fazer laticínios com fontes de origem vegetal, mas nunca teve intenção de abrir uma empresa. Atualmente, tem como sócia sua irmã Raphaela, e juntas atendem todos os estados do sul do Brasil, já com planos de expansão para o Distrito Federal e o estado de São Paulo. Tathiana segue na crença do poder da substituição, tendo em vista que a maior parte de sua clientela não é vegana, mas pessoas com interesse em substituir alimentos do dia a dia.
Lisiane Oliveira, proprietária da Novah Natural, que também trabalha com a produção de alimentos vegetais, concorda com Tathiana na questão da substituição, e produz queijos veganos não somente para amparar pessoas que têm restrições alimentares, mas para abrir o leque de opções de substitutos de queijos de origem animal para aqueles consumidores que têm vontade de experimentar produtos novos e, como ela mesma acredita, reduzir o impacto ambiental atrelado aos lácteos e à pecuária.
“Uma pessoa que vai a uma pizzaria e come uma pizza com o queijo da Novah, já está ajudando naquele dia a reduzir o impacto ambiental”, relata Lisiane ao falar do propósito da empresa. Assim como existe essa preocupação, a escolha dos outros elementos que fazem parte da composição dos queijos e sobremesas da Novah é também pensada. As receitas não levam amido, que geralmente é modificado quimicamente, e está presente em muitos queijos no mercado, tanto de origem animal como vegetal. A castanha de caju que, assim como na Nulu, é a base dos produtos da Novah, tem uma boa composição entre gorduras, proteínas e carboidrato complexo (aquele que não é refinado), além de aumentar os níveis de HDL, o bom colesterol, protegendo o coração.
Lisiane sofria muito de amidalite e vivia tomando medicação. Quando descobriu que a causa de seu problema era intolerância à lactose e retirou os lácteos de sua dieta, sua vida mudou, e hoje ela tem muito mais disposição. E isso foi o ponto de partida para excluir dos seus hábitos todos os outros alimentos de origem animal. Assim como outros intolerantes, ela tinha uma memória afetiva muito grande relacionada com os queijos de origem animal, e diz que é preciso “virar a chave da perspectiva do paladar”, pois a pessoa vai consumir um queijo de leite de castanha de caju e não de leite animal.
No momento presente, a Novah possui cinco tipos de queijo vegano, o Mozzaveg, inspirado na clássica mozzarella italiana, o Frescalveg, inspirado no tradicional queijo minas, o Provolone Veg, inspirado no queijo provolone italiano, o Cheddar Veg, inspirado no cheddar, e o Spread, que é um alimento que além da castanha de caju, utiliza o painço em sua base, e vem para substituir os queijos cremosos em preparações quentes ou frias. Além dos queijos, foi lançada recentemente uma sobremesa de café com ganache. A empresa prioriza, sempre que possível, insumos locais e orgânicos, sejam eles certificados ou não.
Ambas, Tathiana da Nulu Alimentos Funcionais e Lisiane da Novah Natural, lutam pelo o que acreditam: na produção de produtos de origem vegetal que sejam parte de uma cadeia produtiva sustentável. A preocupação dessas duas empresárias vai muito além de produzir queijos veganos, pois enxergam a alimentação como um ato de escolha individual, social e política que impacta vidas, incluindo a do planeta.