A luz de um candelabro é a única que ilumina o casebre por dentro. Eles estão sentados em volta da mesa para o que parece ser um jantar regado a chá de cevada. O jantar: batatas e batatas com batatas. A obra Os comedores de batata foi concebida em 1885 durante a ceia de uma família trabalhadora de Amsterdam. A pintura é considerada uma das mais importantes da carreira de Vincent Van Gogh, que na época começava a desenvolver sua técnica e ainda não usava as cores vibrantes que viriam a caracterizar muitas de suas obras. Mesmo assim, este quadro monocromático e escuro é considerado um marco na trajetória do artista por inaugurar sua forma expressiva de representação e o olhar sensível ao recorte social das pessoas que pintava.

“Apliquei-me conscientemente em dar a ideia de que estas pessoas que, sob o candeeiro, comem as suas batatas com as mãos, que levam ao prato, também lavraram a terra, e o meu quadro exalta portanto o trabalho manual e o alimento que eles próprios ganharam tão honestamente”. – Vincent Van Gogh fala da pintura em carta ao irmão Théo Van Gogh.
O quadro Os comedores de batata não é só um ícone artístico: é também o retrato de uma época, de uma classe trabalhadora e sua base alimentar. Na cena, a batata é mais do que acessório: ela é manifesto. É resistência. Um alimento que tem sua história ligada à luta por subsistência em várias partes do mundo. A verdade é que muito antes de chegar na Europa a batata já era um símbolo alimentar para os povos originários da América Latina, especialmente na Cordilheira dos Andes. Conforme a Embrapa Hortaliças, a batata, chamada cientificamente de Solanum tuberosum L., era consumida por populações incas há mais de 8 mil anos e só por volta de 1570 foi introduzida na Europa levada por navegadores espanhóis e portugueses – originária do Peru ou do Chile, não há um consenso sobre isso. Da Europa, seguiu outros rumos, como a América do Norte e… bom, o resto da história nós sabemos: se tornou um dos alimentos mais cultivados no mundo inteiro, perdendo apenas para o arroz e o trigo.
Primeiro rejeitada, depois exaltada

Muito antes de se tornar ingrediente indispensável em qualquer cozinha, das mais populares às mais refinadas, a batata era ingrediente reservado às camadas mais pobres da população. Por seu aspecto rústico e a facilidade com que era cultivado pelas famílias camponesas, o alimento foi inicialmente demonizado pela elite, que criava todo tipo de fake news sobre o tubérculo: diziam que estava relacionado a doenças e até podia dar às bruxas poderes sobrenaturais. Como toda fake news estapafúrdia, essas logo caíram por terra quando a ciência se impôs.
As sucessivas crises alimentares ao longo do século XVIII na Europa teriam sido o pontapé dessa mudança. Uma das versões conta que na Prússia, depois que a fome dizimou boa parte da população, o rei tentou combater a subnutrição mandando distribuir um manual de como cultivar batatas. Um prisioneiro chamado Antoine Parmentier, agricultor e cientista francês, também foi alimentado com o tubérculo enquanto estava sob domínio da Prússia durante a Guerra dos Sete Anos. Atento aos efeitos nutricionais da batata no próprio corpo, assim que foi solto o cientista voltou para a França e começou a desenvolver vários estudos sobre o assunto.

Como na França a situação alimentar do povo também não estava nada boa, ele convenceu o rei Luís XVI a estimular o consumo de batata. Claro que desfazer a má fama do alimento antes tão desprezado pela elite não foi tarefa fácil, mas logo logo, assim que a própria nobreza se dobrou aos encantos da batatinha, todo mundo quis se esbaldar nesse produto tão saboroso, nutritivo e fácil de cultivar. Essa guerreira de raízes incas não foi apenas incorporada à rotina das famílias como também foi capaz de controlar a inanição em várias partes do continente europeu, chegando ao século XIX como a grande estrela da alimentação proletária.
Base alimentar dos operários das fábricas na Revolução Industrial, chegou a ser descrita por Friedrich Engels como alimento historicamente revolucionário.
A batata nossa de cada dia

Com mais de duas mil variedades, hoje fica difícil dizer em que lugar do mundo a batata não é tradição. Ela faz parte da cultura culinária dos mais longínquos rincões e, graças à ciência, já é colocada no altar das fontes de carboidrato – sendo o amido o principal. Mas além da boa fama de produto energético, ela também é fonte de proteínas, fibras e sais minerais (fonte: Embrapa Hortaliças).
Frita, assada, amassada e até ao vapor: seja como for a maneira de preparar e o formato, a verdade é que uma batatinha sempre cai bem com quase toda refeição. Para fechar nossa viagem no tempo, que tal uma receita daquelas bem simples com gostinho de casa brasileira? Aqui para você, um purê de batata saindo quentinho…
Receita de Purê de batata

Ingredientes:
- 1 quilo de batata
- ¼ de xícara de azeite de oliva
- sal e temperos a gosto (recomendo pimenta do reino ou pimenta branca e noz-moscada ralada)
- água quente
Modo de preparo:
Cozinhar as batatas em uma panela com água e sal por cerca de meia hora (faça o teste do garfo para saber se ela já está macia). Escorra a panela e deixe as batatas esfriarem um pouquinho (mas não muito) até que seja possível manuseá-las. Retire as cascas e amasse bem as batatas. Coloque o azeite e as batatas amassadas numa panela ao fogo e adicione um pouco de água até dar o ponto de purê. Coloque os temperinhos que escolheu (capriche no tempero, hein!) e mexa sempre para não grudar. Nesta fase bastam poucos minutos para que o purê fique pronto. Da panela, passe para uma travessa. Ou sirva da própria panela direto para o prato, quer coisa mais simples e brasileira do que isso?
Bom apetite!
Por Amanda Santo