Se eu perguntar quantas refeições costumamos fazer por dia, vamos sempre lembrar daquelas três tradicionais: café da manhã, almoço e jantar. São refeições que costumam ter horários padronizados e onde comemos mais. Mas tem uma quarta refeição que a gente não pode esquecer e que se distribui ao longo de todo o dia: o famoso lanchinho! Quem resiste a um lanchinho, né? Mas será que você sabe como o hábito dos lanchinhos afeta a sua saúde?
Diversos estudos mostram que o consumo dos lanchinhos vem crescendo em todo o mundo. No início da década de 1970, por exemplo, adultos nos Estados Unidos consumiam cerca de 18% do total de suas calorias na forma de lanches. Em 2010, esse número havia subido para 23%. E no Brasil não é diferente. Uma pesquisa realizada no ano passado revelou que 74% dos brasileiros (ou seja, três em cada quatro pessoas) têm o hábito dos lanchinhos. Mas afinal, o que caracteriza um lanche?
Tecnicamente falando, os pesquisadores que fizeram essa pesquisa trataram como lanches todos os consumos de alimentos realizados fora dos horários considerados padrão para as três refeições tradicionais:
– Nesse padrão, o café da manhã vai das 6h às 10h;
– o almoço das 12h às 15h;
– e o jantar das 18h às 21h.
Todo o alimento consumido fora desses horários entra então na categoria dos lanchinhos! Levando esse modelo em consideração, o brasileiro faz quase dois lanches em média por dia. Se você faz três lanches ou mais, saiba que está entre os 23% de brasileiros que mais comem lanchinhos diariamente. São os chamados heavy snackers. Para essa turma, os lanchinhos representam mais de um terço (35%) de toda a ingestão calórica diária.
Já a hora preferida para essa “escapadinha gastronômica” é o final de tarde, quando quase metade dos entrevistados disse que não resiste a um lanchinho. Você está nessa turma também? Pelo menos para mim, o maior gatilho pra um lanchinho se chama Netflix. Não consigo botar um filme ou uma série sem ficar beliscando alguma coisa gostosa. E pensando nisso, me veio uma dúvida: como será que esse hábito tão gostoso afeta o nosso corpo? Foi aí que descobri algumas coisas bem interessantes…
Vamos começar pelo básico: nosso corpo é uma máquina incrível, guiada por um relógio interno que regula tudo, desde o nosso sono até os horários ideais para comer. Essa espécie de relógio fica num pedacinho do cérebro, e é reajustado todos os dias, criando um ciclo de aproximadamente 24 horas chamado cientificamente de ritmo circadiano. É assim que o cérebro mantém o funcionamento em sincronia de órgãos como fígado, estômago e intestino. Isso é feito, por exemplo, coordenando nosso apetite para garantir que tenhamos energia suficiente durante o dia e possamos dormir à noite sem sermos acordados pela fome.
Só que cada um desses órgãos também tem seu próprio relógio, e esses relógios podem ser afetados por elementos externos capazes de desregular um sistema projetado para funcionar em harmonia. E adivinha? Um lanchinho fora de hora pode ser justamente um desses elementos, gerando riscos para a nossa saúde.
Muitos estudos já mostraram que comer quando nosso relógio interno gostaria que estivéssemos em jejum pode gerar problemas como obesidade, diabetes tipo 2, pressão alta, colesterol elevado e por aí vai. Mas também há outras variáveis que precisam ser levadas em consideração. Uma análise de 2017 comparou pessoas que trabalhavam de dia com outras que trabalhavam de noite. Os dois grupos se alimentavam com a mesma quantidade de calorias, e mesmo assim os trabalhadores noturnos apresentaram maior probabilidade de desenvolverem sobrepeso. Ou seja, quando comemos em horários que nosso corpo está preparado para armazenar energia em vez de gastá-la, isso gera consequências. Por isso alterar os horários que comemos ou dormimos também afeta nosso relógio interno, independente da quantidade de comida que estamos ingerindo.
Num mundo onde as cidades cada vez mais funcionam 24 horas por dia e onde a comida está facilmente disponível a qualquer momento (para quem tem condições de pagar por ela, claro), é cada vez mais difícil manter nossos relógios internos sincronizados. Isso nos deixa com duas questões:
Qual a hora certa e qual a hora errada para comer?
Isso depende, em certa medida, da biologia de cada um. Mas, de uma forma geral, podemos dividir as pessoas em três grupos: cerca de 20% de nós são “corujas”, que naturalmente acordam tarde, dormem tarde e funcionam melhor de tarde. Outros 20% acordam e dormem cedo, funcionando melhor de manhã. Todo o restante se encontra em algum lugar no meio disso.
E afinal, fazer lanchinhos ao longo do dia faz então mal para a saúde?
Bom, aí depende! Já vimos que comer fora do horário correto pode desregular nossos relógios internos. Mas também vimos que nem sempre a culpa é do que comemos. Estudos recentes mostram que o ato de fazer lanches em si não é o vilão. O que importa é a relação entre quando e o que você está comendo. Por exemplo, se o lanche for saudável – frutas, nozes ou vegetais – e consumido mais cedo no dia, ele pode até ajudar a controlar o peso e reduzir a fome nas refeições principais. Já se for aquele pacote de salgadinhos depois das 21h, a história muda de figura. Ou seja, o contexto faz toda a diferença!
No meu caso, por exemplo, que adoro um lanchinho enquanto assisto minhas séries preferidas, descobri que isso é péssimo! Porque não são só os lanchinhos fora de hora que podem desregular nosso ritmo circadiano. A luz artificial das telas também pode interferir no nosso relógio biológico, nos fazendo comer mais e dormir pior. A boa notícia é que dá para ajustar os nossos hábitos. A dica é planejar e escolher bem os lanches que vamos comer. Além disso, o motivo pelo qual lanchamos também conta: estamos realmente com fome ou só entediados? No fim das contas, o que aprendi é que dá para manter o hábito de lanchar sem peso na consciência. Planejando melhor, escolhendo opções saudáveis e respeitando os horários do nosso corpo, os lanchinhos podem ser aliados – e não inimigos – da saúde.
Agora, se você me dá licença, vou ali fazer uma pipoca para assistir mais um episódio de Mad Man. Mas amanhã, eu prometo: só fruta no lanche!
Por Gustavo Schwabe