No meio da calçada tinha uma comida. Ali na fenda do concreto. O verdinho entre duas pedras, bem na esquina. Ou então na terra, um fungo nascido no canto de uma árvore da floresta tropical. Pode ser no mar também, no ponto onde uma alga flutua ao sabor da correnteza, promovendo um espetáculo tão bonito que quase nem parece que estamos falando de comida. Sim, a erva urbana, o fungo da floresta e a alga marinha são alimentos e dos mais nutritivos. Há quem seja obcecado por estar ao ar livre para encontrar, identificar, colher e preparar essas iguarias silvestres.
Em inglês, a prática é chamada de foraging, traduzido como forrageamento, mas podemos chamar de coleta. É a arte ou a ciência de quem sai por aí como se estivesse numa caça ao tesouro. Para a educadora vegana e coletora de alimentos silvestres Alexis Nikole Nelson, é realmente disso que se trata: tesouros. Em uma palestra do TED Talks, ela defende as maravilhas da flora comestível que cresce ao ar livre, os benefícios para a saúde de quem consome e do planeta.
“Quando minha mãe me contou que havia um monte de comida grátis espalhada pelos gramados e calçadas, minha mente explodiu. Todas essas frutas, vegetais e fungos gratuitos, que não exigiam água, não exigiam nosso tempo e frequentemente eram mais saudáveis do que seus equivalentes no supermercado.” – Alexis Nikole Nelson.
Nesse vídeo abaixo você pode assistir à palestra inteira da ativista. Vale a pena!
Com bom humor e muitas histórias, Alexis compartilha o conhecimento que adquiriu sobre as plantas silvestres – tudo enquanto prepara um lanche de algas crocantes ao vivo no palco. “Entre veganismo e forrageamento, tenho uma das despensas mais ecléticas do mundo”, se diverte, destacando o poder nutricional dos alimentos. “Tem a Beldroega, por exemplo, uma ervinha que cresce na rachadura da calçada no verão. Ela está repleta de ômega 3 – e não é peixe -, tem ferro – tchau tchau Popeye – e vitamina C – o seu sistema imunológico agradece!”.
Em uma reportagem especial, o site da revista National Geographic diz que a coleta de plantas silvestres tem crescido no mundo todo. A motivação mais provável é a preocupação com a emergência climática e a busca das pessoas por se engajar cada vez mais em soluções de sustentabilidade. Uma delas é trocar ultraprocessados, produtos cheios de aditivos químicos e superfaturados, pelo prazer de colher as próprias plantas que estão por aí só esperando por nós.
Mas calma que nem todo mato ou fungo pode ir direto pro prato, ok? A prática exige um pouquinho de pesquisa e verificação. Redes foram sendo criadas no mundo todo para ajudar os “forrageadores” a fazerem escolhas seguras na hora de catar os chamados 4 F’s: fruta, folhagem, flora e fungo. Além de comunidades em redes sociais onde os coletores trocam experiências, há também sites especializados nesse apoio. No Reino Unido, um dos mais procurados é o Wild Food, que traz informações interessantes até para quem está em outra parte do mundo.
DICAS Para começar, uma das dicas mais importantes é se planejar. Conhecer um pouco do território onde você está e das espécies que fazem parte dele. Quando estiver ao ar livre, pode levar com você aplicativos que ajudam na identificação de espécies de plantas, como iNaturalist, PictureThis e ForagingForWildEdibles. Como são apps movidos com ajuda de IA, confie com um pézinho atrás. Faça uma dupla verificação em outras fontes online. No Brasil, por exemplo, é possível encontrar uma infinidade de conteúdos sobre as chamadas PANCS, plantas alimentícias não convencionais. Assim são chamadas espécies típicas brasileiras que são altamente nutritivas mas pouquíssimo populares - ou até desconhecidas. A maioria dessas plantinhas vive escondida na floresta ou na cidade, à espera que alguém colete para servir no jantar. Uma comunidade chamada PANCS Brasil foi criada justamente para servir de canal para amantes de alimentos como o peixinho-da-horta, a ora-pro-nóbis e a vinagreira.
Alexis fez muitas consultas a fontes norte-americanas até adquirir o conhecimento que tem sobre plantas silvestres. Sua favorita não está ao ar livre, mas no mar: são as algas, como a Bull kelp, que contém em média 15,3% de proteína por porção. Alexis chama as algas marinhas de alimentos do futuro:
“Elas não precisam de água doce, nem terra, nem cuidados especiais. Estão apenas passeando nos mares, criando ecossistemas, criando oxigênio para todos nós respirarmos e criando aminoácidos. Nos dias de hoje, as algas marinhas são alimentos verdadeiramente voltados para o futuro. E ainda são deliciosas!”
Está na hora de tirar o petisco da airfryer. Alexis acrescenta um pouquinho de sal… depois um pouquinho de açúcar – agridoce, como a vida. E, então, a alga crocante está pronta! Algo que ela ama fazer em casa e servir para amigos veganos ou não, coletores ou não. Para a educadora, o segredo para despertar a consciência de alguém pode estar numa comida preparada com cuidado, amor e muita conversa franca. “Apresentar às pessoas os alimentos silvestres da sua região é uma excelente forma de promover a conexão delas com a própria alimentação”. Eu acrescentaria: com o planeta Terra também.
Por Amanda Santo