“Quando a Olívia tinha dois anos e meio de idade nos pegou de surpresa após ingerir amendoim. Como sou da área da saúde, logo quando a vi soube que estava tendo uma reação alérgica e se eu não corresse algo pior podia acontecer. Ela inchou imediatamente, principalmente a área dos olhos, colocou a língua para fora, que também já estava inchada a ponto de não conseguir colocar para dentro. Na época, ela ainda tomava leite e meu marido acabou na besteira de dar uma mamadeira e ela imediatamente vomitou em jato. Peguei ela no colo e levei no pronto atendimento de uma clínica pediátrica particular, mas essas clínicas não estavam preparadas para tal emergência, não faziam a adrenalina, deram um anti-histamínico oral só para dar tempo para chegar à emergência, foi então na emergência que fizeram adrenalina intramuscular e ela começou a desinchar”.
Esse relato assustador é de Juliana Coelho, enfermeira e mãe de Olívia, que hoje está com 12 anos. Desde que a menina teve essa reação alérgica, passou por testes para descobrir outras alergias e, obrigatoriamente, excluiu o amendoim de sua dieta e passou a ler rótulos de alimentos para não consumir a substância que, no seu caso, pode ser fatal.
“Ela só em sentir o cheiro começa a coçar o olho, então se afasta. Ela sempre lê os ingredientes, principalmente de chocolates, bolos, doces em geral. Se colegas comem alguma coisa com amendoim ou avelã, outro alimento que descobriu que é alérgica por meio de testes, ela pede gentilmente para lavarem mão e boca, para caso tenham contato não faça mal a ela. Sempre que vai em festas, pergunta e avisa de sua alergia”, relata Juliana. Cuidados primordiais para quem sofre de algum tipo de alergia a alimentos.

As alergias alimentares afetam crianças e adultos. De acordo com o Consenso Brasileiro sobre Alergia Alimentar, um documento conjunto elaborado pela Sociedade Brasileira de Pediatria e Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia, estima-se que 6% das crianças menores de 3 anos e 3,5% dos adultos sejam alérgicos a algum tipo de alimento. E as reações graves, como a ocorrida com Olívia, podem acontecer em qualquer idade, mesmo na primeira exposição ao alimento.
No caso de crianças, os principais alérgenos são leite de vaca, ovo, trigo, milho, amendoim, soja, peixes e frutos do mar. Alimentos que possuem em sua composição mais proteína de difícil digestão.
Mas como descobrir as alergias alimentares?
A nutricionista Larissa Lodetti, especialista em alergia alimentar, explica que uma das estratégias utilizadas é a introdução desses alimentos mais alérgenos em pequenas quantidades entre 6 meses e 1 ano de vida da criança. Uma forma de o organismo assimilar as substâncias contidas no alimento ou, nos casos das alergias mais graves, reagir. Isso porque 80% dos sintomas atribuídos à alergia alimentar ocorrem no primeiro ano de vida.
Apesar de existirem opiniões controversas na área da saúde sobre o método, muitas mães fazem isso sem nem saberem que ao mesmo tempo em que seus filhos estão experimentando novos sabores, seus organismos estão aprendendo a aceitar (ou não) as novas substâncias ingeridas.
Passando essa fase, é possível detectar alergias por meio de testes cutâneos de hipersensibilidade imediata, testes sanguíneos, entre outros.

Mas muito antes disso, a mãe tem o poder de evitar o desenvolvimento de alergia em seus filhos. Larissa descreve o intestino do bebê como algo praticamente “virgem”, que sofre influência da alimentação da mãe durante a gestação. Segundo ela, 95% dos casos de alergias alimentares são relacionados com a dieta materna. Ou seja, uma má alimentação no período da gravidez pode atuar como um “gatilho” para o surgimento de alergias alimentares na criança.
E essa relação mãe e filho vai além. A Sociedade Brasileira de Pediatria promoveu estudos que comprovam o efeito protetor do aleitamento materno no desenvolvimento de alergia, quando, mais uma vez, a mãe tem a oportunidade de proteger seu filho contra alergias alimentares.
O que faz uma pessoa ser alérgica?
As doenças alérgicas são complexas e causadas por diferentes fatores, como os genéticos e os ambientais. A nutricionista Larissa conta que grande parte das alergias alimentares que aparecem em seu consultório são desencadeadas por problemas intestinais, que aumentam a pré-disposição a alergias.
“O sistema imune está todo no intestino”, defende Larissa. E ela não está sozinha nessa afirmação. Medicinas milenares como a indiana Ayurveda, por exemplo, sustenta que a saúde está diretamente interligada com a função gastrointestinal. Os médicos Ayurveda dizem que sem um poder digestório adequado e íntegro, não estamos saudáveis.

Por isso não é de se estranhar cada vez mais ouvirmos falar em probióticos e microbiota intestinal. Segundo especialistas, os efeitos dos probióticos (bactérias benéficas do intestino) podem estar relacionados à restauração da permeabilidade intestinal, ao equilíbrio da microbiota (conjunto de microrganismos que povoam nosso trato gastrointestinal), à melhora das funções de barreira do epitélio intestinal e à modulação da resposta inflamatória. Já a microbiota intestinal, por sua vez, pode atuar no processamento de antígenos alimentares reduzindo a incidência de alergias.
Mas é preciso ficar atento. A alergia alimentar grave, aquela com reação imediata como o fechamento de glote, por exemplo, como a relatada pela mãe da Olívia, é praticamente irreversível, diferentemente da sensibilidade alimentar e intolerância alimentar. Essas duas últimas sim é que podem ser melhoradas com o tratamento intestinal.
Qual a diferença entre alergia, sensibilidade e intolerância alimentar?
A alergia alimentar é a alergia a alguma parte proteica do alimento, e causa uma resposta imediata que pode progredir para o choque anafilático. Essa reação leva até duas horas pra acontecer. Já a sensibilidade alimentar causa uma reação tardia como alterações na pele, intestino preso, rinite, enxaqueca, entre outros sintomas.
A intolerância alimentar, por sua vez, tão falada atualmente devido ao alto índice de intolerância à lactose na população mundial, com 75% das pessoas intolerantes a esse carboidrato do leite, é causada exatamente pela intolerância a frações do carboidrato do alimento. A ingestão desse alimento vai machucando o intestino e a pessoa vai ficando sensível a ele.
Nesse caso, o acompanhamento nutricional pode auxiliar na volta do consumo moderado do alimento, visto que a recuperação do intestino pode ser feita por meio de dieta adequada e suplementação alimentar. Mas não adianta seguir as dicas da amiga que também sofre da mesma intolerância, pois a microbiota intestinal é individualizada, ou seja, cada pessoa deve seguir um tratamento elaborado somente para ela. “Depois de modular o intestino, a paciente consegue ter uma vida melhor”, garante Larissa.