Seca na Amazônia. Excesso de chuva no Rio Grande do Sul.
Afastadas por um extenso pedaço de terra, essas duas localidades do Brasil têm vivenciado eventos climáticos extremos que não são exclusividade delas. Todo o país está sendo afetado pelas mudanças climáticas de alguma forma.
De Norte a Sul, vemos pessoas tendo que se deslocar por questões ligadas ao clima. Animais, florestas e outras espécies de seres vivos são afetados. Vivemos todos no mesmo planeta.
Além da perda de vidas, os eventos climáticos influenciam diretamente na nossa capacidade de produção de comida. Uma das grandes preocupações de produtores rurais e de entidades ligadas à agricultura como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa.
Desde sua fundação, há 50 anos, a Embrapa teve que ajustar suas formas de pesquisa para compreender melhor as mudanças que vêm ocorrendo no clima para poder auxiliar a produção rural do país. Uma delas, foi a criação do ZARC (Zoneamento Agrícola de Risco Climático), uma política de zoneamento de plano agrícola que delimita municípios e épocas de plantio com base no risco agroclimático.
Mudanças climáticas no Brasil
“Cada região tem as suas preocupações”, fala Gustavo Mozzer, pesquisador na assessoria de relações internacionais e supervisão de políticas globais da entidade. “O Nordeste já tem propensão para a desertificação. Um tipo de clima que a gente não tinha no Brasil”, relata. Cenário preocupante para uma região que sempre teve problemas com a seca e que concentra a maior porcentagem de pessoas em situação de pobreza do país.
Além do Nordeste, a Amazônia também é uma área muito delicada. Segundo Gustavo, por causa da redução da precipitação, há um risco de perda de vegetação, o que é chamado de “savanização”. Por fazer borda com o Cerrado, um bioma mais acostumado à baixa umidade, a Amazônia vai perdendo espaço para a vegetação do bioma vizinho quando há diminuição das chuvas e ocorrência de queimadas.
Na contramão da seca, vem o Rio Grande do Sul com a maior catástrofe climática de sua história. As inundações no estado têm mostrado aos brasileiros que as mudanças climáticas estão mais próximas do que imaginamos. O que não é novidade para a Embrapa. “Há 25 anos a gente já sabia que o Rio Grande do Sul tinha grande risco de inundação”, diz Gustavo.
O maior produtor de arroz do Brasil, item indispensável na cesta básica brasileira, o Rio Grande do Sul perdeu parte de sua produção nessa enchente mais recente. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) estima que a perda tenha sido de 202 mil toneladas do grão. “Alimento é uma questão de segurança nacional”, reforça Gustavo.
Segurança alimentar
A Declaração Universal sobre Erradicação da Fome e Má Nutrição de 1975 já mencionava a segurança alimentar como a “disponibilidade, em todos os momentos, de reservas mundiais adequadas de alimentos básicos para sustentar a expansão constante do consumo de alimentos e para compensar as flutuações na produção e nos preços”.
Mas a disponibilidade de alimentos fica vulnerável frente às mudanças climáticas. O trabalho ‘Impactos da ocorrência de eventos climáticos extremos na produção agrícola brasileira’ traz números assustadores.
De acordo com o trabalho, a cultura que apresentou o maior índice de perda ao longo dos anos (entre 2012 e 2016) foi o feijão. Considerando as regiões de maior produção do Brasil, as perdas foram de 62,4% de feijão, 60,9% de trigo, 46,6% de milho, 38,1% de soja, 34,3% de mandioca, 17,2% de café e 10,1% de arroz.
Como resultado da diminuição na oferta, vemos os custos das perdas serem embutidos no cálculo do valor do produto, aumentando o preço para o consumidor final, além da consequente alta na inflação resultante dos eventos climáticos extremos.
Portanto, eventos climáticos como seca, geada, granizo, estiagem e enchente são problemas que afetam diretamente a segurança alimentar. E eles estão se tornando cada vez mais frequentes.
Em 2012, por exemplo, a seca reduziu em 99,4% a produção de feijão em um município do sertão pernambucano, quando a precipitação média anual foi 43% menor que a média. Três anos antes, foram as geadas que afetaram a produção de arroz em um município do Mato Grosso do Sul, reduzindo a safra em 72,6%. No mesmo ano de 2009, os produtores de trigo do município catarinense de Lages viram a ocorrência de granizo deixar a produção 73,7% menor.
Mas o que tem causado as mudanças climáticas?
Nós, seres humanos, com nosso estilo de vida e modos de produção e consumo, temos lançado para a atmosfera gases que aumentam a capacidade da Terra de reter calor. Esse calor se transforma em energia que se dissipa no planeta em forma de vento, calor, chuva e frio, mas com muito mais intensidade do que o normal. Por isso vemos com cada vez mais frequência eventos climáticos extremos.
Mesmo o planeta tendo a capacidade de absorver uma certa quantidade de gás, o uso excessivo de petróleo, carvão e outros elementos de fontes fósseis têm sobrecarregado os “drenos naturais” do Planeta Terra, resultando na piora do efeito estufa.
Um problema mundial que tem sido tratado de maneira diferente pelos países. Enquanto alguns já limitam o tráfego de carros nos centros urbanos, outros continuam fazendo guerras e jogando mais dióxido de carbono na atmosfera. Enquanto alguns promovem políticas para redução da temperatura global, outros fazem vista grossa para o desmatamento.
“A gente tem que adotar políticas para reduzir as emissões e criar estratégias para mitigar as emissões. O objetivo da mitigação é melhorar a vida das pessoas de uma maneira que se possa continuar produzindo, mas com menos emissões”, fala o pesquisador Gustavo.
Ele também defende que o investimento em estações meteorológicas e pesquisa é fundamental para uma maior adaptação a essas mudanças que vêm ocorrendo. “Temos que nos preparar para os impactos da mudança do clima no presente e no futuro. A gente já tem impactos hoje, mas sabe que os impactos amanhã já estão contratados”.