O trigo é plantado em mais terra do que qualquer outra cultura agrícola comercial do mundo e, mesmo assim, é lamentavelmente uniforme. O Triticum aestivum (trigo anão) atinge 95% da área global de trigo plantada. Com um crescente padrão mundial de chuvas esporádicas, a expansão da biodiversidade de grãos é crucial para assegurar o futuro do nosso sistema alimentar. A diversidade de trigo em forma, cor e sabor passa longe das limitações da commodity barata que estamos acostumados a comer. Variedade, estação do ano, solo, técnica de moagem e a maneira como são assados afetam como os grãos compartilham seus sabores únicos.

Retornando à Roma antiga, a Itália teve um papel crucial na reprodução de grãos selecionados, retratados nas escritas de Plínio, o Velho, um naturalista romano que escreveu sobre a importância de conservar a semente do farro, também conhecido como emmer. Durante o nacionalismo, Mussolini lançou a Batalha do Grão (Battaglia del Grano), um esforço econômico para alcançar a autarquia da agricultura na produção do trigo. Na época, fornecia subsídios para a compra de maquinário, fertilizantes e incentivos para o aumento da produção de grãos.
Foi então que Nazareno Strampelli, agrônomo italiano, usou métodos que coincidiam com o método Gregor Mendel, cruzando espécies locais com variedades resistentes a doenças afim de criar híbridos resistentes à ferrugem, que também tivessem caules menores e maturação precoce. Os resultados do seu trabalho dobraram a produção de trigo italiana, mas falharam no objetivo principal de auto-suficiência por substituir variedades locais por híbridos uniformes de alto rendimento, causando o declínio da biodiversidade.
Uma vez que as sementes industriais ultrapassaram as nativas em quantidade de produção, as nativas foram colocadas na mesma categoria de genes das variedades mecanizadas já consolidadas, ameaçando a biodiversidade e promovendo o uso em grandes quantidades de pesticidas, herbicidas e fertilizantes sintéticos. Os altos níveis de fertilizantes químicos utilizados nas plantações de trigo incham os grãos a ponto de os caules não aguentarem, fazendo com que tornem-se espécies menores, virando norma as espécies anãs.
Os fazendeiros confiam nesses insumos de alto custo (pesticidas, herbicidas e fertilizantes sintéticos) para produzir colheitas que dão lucros limitados. Os preços do trigo são tão voláteis, que quando estão em baixa quase não cobrem os custos de fertilizantes e irrigação que, por sua vez, não são suscetíveis às mesmas flutuações. O fechamento de fazendas impacta diretamente as comunidades rurais causando um efeito dominó de recessão econômica. A perda do maior comprador da região traz o fechamento de outros negócios, cujos proprietários e empregados vão procurar trabalho em outras localidades. A perda dessas pessoas para ocupar escolas, postos de saúde e outras organizações na comunidade causa ainda mais fechamentos, diminuindo a qualidade de vida de quem permanece. O sistema atual de agricultura, o chamado sistema convencional, não é sustentável para fazendeiros, comunidades rurais, meio ambiente e nossa saúde.
Atualmente, o gerenciamento de sementes ficou para os criadores industriais. Eles substituíram os diversos trigos existentes por variedades comerciais desenvolvidas para serem uniformes e dependentes de agroquímicos. O ambiente já restrito de concorrência está ficando ainda menor com a união de grandes empresas como Monsanto e Bayer, precedida pelas uniões Dow-DuPont e Syngenta-ChemChina em 2017. Esses três conglomerados controlam 61% do mercado de sementes do mundo, incluindo o do trigo.
Apesar de termos motivo de sobra para nos preocuparmos, ainda há espaço para o comércio de sementes fora das gigantes multinacionais. A grande questão é se mesmo assim a cadeia de suprimento de grãos regionais é contada nas estatísticas, ou se uma visão não capitalista, como na troca de sementes, por exemplo, é aceita.
Até 1900, as variedades de grãos regionais eram a norma, moinhos de pedra eram o instrumento típico de processamento, e as cidades tinham um forno de uso comum para assar pão. Antes que o passado bucólico seja super valorizado, é importante entender que a falta de avanços tecnológicos aumentou a probabilidade de doenças, pestes e fungos. Existem razões para os produtores de trigo do século 20 cruzarem trigo para encontrarem genes que protegiam as plantas de problemas comuns como os agentes patogênicos da ferrugem.
O foco obsessivo em rendimento e altos níveis proteicos fez com que a plantação de trigo tenha se tornado inteiramente focada em encontrar as variedades mais fortes sob o uso de novos insumos químicos. Essas escolhas propositais levaram a variedades de trigo que funcionam melhor no sistema de agricultura industrial com altos custos e irrigação extensiva. Um dos objetivos principais é entender como a cadeia de suprimento de grãos regionais interage com o sistema agro-industrial atual para vir a substituí-lo.
Preocupações estão constantemente crescendo enquanto a monocultura nos expõe à vulnerabilidade das falhas das plantações em massa. Estiagens severas, cada vez mais frequentes, estão devastando safras de trigo ao redor do mundo, e as variedades de grãos nativos oferecem soluções possíveis para a falta de chuva, pois seus sistemas de raízes profundas são bem adaptadas a climas quentes e áridos com padrões de chuva irregulares. As vantagens dos grãos antigos é que prosperam sem a dependência em herbicidas químicos e pesticidas, diferentemente do trigo moderno.
Antes da industrialização, fazendeiros selecionaram sementes que melhor se adaptavam a seus ambientes e climas, desenvolvendo uma grande variedade de cereais. Hoje, empresas de sementes industriais investem milhões para produzir variedades comerciais mais uniformes que funcionam em harmonia com agroquímicos que garantem um retorno de investimento contínuo.
As variedades de trigo regional recuperam a biodiversidade e combatem as falhas do sistema alimentar. A perda de diversidade ameaça a segurança alimentar global e nossa habilidade de se adaptar a mudanças climáticas. Além do valor prático, nós estamos perdendo sabores e culturas diversas e, com eles, esquecendo nossa história e identidade.