Comer é um dos maiores prazeres do homem. Mas é também uma grande preocupação. Com previsão de alcançarmos 9,7 bilhões de pessoas no mundo em 2050, de acordo com estimativa da ONU, a dúvida de como será possível produzir alimento para tantas bocas não sai da pauta. Entretanto, o problema vai além: quais alternativas temos para a produção de alimentos sem que os recursos naturais necessários sejam extintos? O Laboratório de Camarões Marinhos (LCM) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) vem trabalhando em uma das soluções. Há quase 20 anos, desenvolve pesquisas para a criação de um modelo sustentável de produção de alimentos focado no cultivo de camarões brancos, o cultivo em bioflocos.
Mas, afinal, o que é esse tipo de cultivo?
Por meio de uma rica comunidade de microrganismos, é feito o controle de compostos presentes no tanque de cultivo, auxiliando na manutenção da qualidade da água, fazendo a ciclagem dos nutrientes, além de ser fonte alimentar para os camarões. Isso cria um ambiente favorável ao crescimento dos crustáceos. Com a água em boas condições, não é preciso a sua renovação. Além do mais, há economia também na ração dada aos animais.
Só pra se ter uma ideia da diferença entre a produção tradicional dos crustáceos e o sistema proposto pelo laboratório da UFSC, vamos levar em consideração área e água usadas para a atividade. Para se produzir um quilo de camarão, a maneira tradicional de carcinicultura precisa de uma média de 30 hectares de área e entre 40 mil e 140 mil litros de água. Já no sistema desenvolvido na universidade, esses números caem para um hectare de área, e entre 160 e 400 litros de água. Uma diferença gritante!
Buscando aumentar ainda mais a sustentabilidade, o laboratório trabalha atualmente com o projeto pioneiro “Cultivo Integrado em Bioflocos”. Ele pretende garantir a segurança alimentar por meio da produção de camarões em tanques com a integração de outras espécies de peixes e plantas, mantendo a não renovação da água utilizada. O que isso quer dizer? Que proteína animal pode ser produzida com baixo impacto ambiental.
Como o “Cultivo Integrado em Bioflocos” funciona?
Os camarões são colocados em tanques de cultivo integrado, ou seja, dividem a água com outras espécies como peixes (tainhas e tilápias), halófitas (plantas que crescem na água salgada, como a salicórnia) e macroalgas, o que acaba por aumentar a eficiência e sustentabilidade do cultivo.
Como sabemos, a água doce é necessária na grande maioria dos métodos de produção de comida, e não podemos esquecer que ela é um recurso finito. Por isso que a carcinicultura é uma boa alternativa para a produção de proteína animal, pois é feita praticamente com o uso de água do mar com adição de água doce somente para equilibrar a salinidade do líquido no tanque.
E nisso o projeto do LCM também é sustentável, pois faz captação de água da chuva e utiliza energia solar para o funcionamento dos motores do cultivo, o que torna o cultivo integrado não somente aliado do meio ambiente, mas também do bolso do produtor. Atualmente, 80% do consumo de camarões no Brasil vem da carcinicultura, e por isso o laboratório está implantando o cultivo integrado em escala experimental para validar o modelo produtivo.
Europa interessada
Entre os apoiadores do projeto estão a FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina) e o Projeto AquaVitae da Comissão Europeia, que reúne países da Europa interessados na pesquisa. Eles buscam tornar a maneira como os crustáceos são criados mais viável em locais onde existem mais pessoas e menos área para se produzir, ao mesmo tempo que a atividade impacta o menos possível o meio ambiente.
Um dos pesquisadores responsáveis pelo projeto, Felipe do Nascimento Vieira, explica que o laboratório se tornou referência mundial no cultivo integrado em bioflocos, e que o objetivo, além de produzir alimentos de forma sustentável, é formar especialistas que poderão atuar na área e implantar esse tipo de sistema para ajudar a alimentar a crescente população mundial.
A equipe do LCM é multidisciplinar, e composta por cerca de 50 pessoas entre professores, técnicos, alunos e demais colaboradores.