Um céu de ovos coloridos com temática infantil e a promessa de muito chocolate. Felicidade das crianças, nem tanto dos pais que precisam lidar com um desejo cada vez mais caro. Cinquenta, sessenta, às vezes mais de cem reais é o custo dos chocolates de Páscoa, época auge de uma indústria que faz de tudo para
seduzir enquanto reduz progressivamente a qualidade do produto.
Em alguns países do mundo, o chocolate vendido nos supermercados do Brasil nem poderia se chamar chocolate. Com porcentagens baixíssimas de cacau e altíssimas de açúcar e gordura hidrogenada, a indústria brasileira vem empobrecendo ainda mais suas receitas na mesma medida em que aumenta os preços. O motivo é um só, simples de resumir: a alta do cacau e o desejo de lucro.
Sim, as fabricantes estão pagando mais pela matéria bruta, mas o prejuízo fica com elas? Obviamente não. O consumidor paga e ainda come um produto com cada vez menos concentração da única matéria-prima que faz do chocolate um chocolate: o cacau.

Bom, mas vamos voltar algumas casas e entender essa alta do cacau – que não vem de hoje. A doença vassoura-de-bruxa que atingiu o sul da Bahia no final da década de 1980 arrasou com as fazendas de cacau, atividade afetada ainda hoje. Até os anos 2000 o Brasil reduziu drasticamente a produção, que depois teve alguns momentos de crescimento, mas ainda estava longe de se reerguer.
Aí… veio o aquecimento global. Que produção não tem sido afetada pela emergência climática? Todas, mas algumas ainda mais. Foi o caso do cacau. Em 2023, uma mudança brusca no tempo gerou um veranico fora de época e o chamado fruto “temporão”, safra tão esperada entre abril e junho, acabou não acontecendo como deveria: a queda foi de 40%. Naquele ano, os produtores de cacau da Bahia produziram em geral 25% a menos. Um prejuízo difícil de sustentar.
Como sempre no capitalismo, com a escassez vem o preço alto. Alguém (pequeno) paga a conta. “A gente vê que os produtores Bean to Bar estão tendo muita dificuldade em encontrar cacau de qualidade por preços razoáveis. Algumas das marcas menores sofreram bastante com isso”. Quem diz é Tuta Aquino, que junto com a Juliana Aquino, faz parte da diretoria da Associação Bean to Bar Brasil. Eles plantam o próprio cacau na fazenda Santa Rita, no Vale Potumuju, na Bahia, e produzem chocolate artesanal na empresa Baianí, em São Paulo.

Tuta alerta para o efeito dominó da queda de produção, que respinga principalmente nos pequenos produtores de chocolates artesanais – nunca na grande indústria, claro, que controla o mercado para garantir seu lucro.
Para se ter uma ideia do contexto, o fornecimento de matéria-prima acontece assim: em geral, o agricultor produz dois tipos de cacau, um simples e outro especial, ou seja, um cacau mais nobre e que contém todas as características sensoriais para um chocolate Bean to Bar (do grão à barra).
Para quem não conhece, o Bean to Bar é um chocolate artesanal feito da forma mais natural possível, tendo como base da receita o cacau. Tudo é aproveitado, desde a amêndoa para fazer o nibs até a manteiga de cacau, única gordura adicionada no chocolate. Nesta reportagem do Comida com História nós contamos mais sobre esse tipo de produto.
Bom, é um chocolate muito mais chocolate, né? Imagina só o sabor…

A questão é que, para fazer suas receitas, as pequenas empresas Bean to Bar pagam a mais pelo cacau especial, diferente da grande indústria que paga barato pelo cacau simples. Mas com a escassez de 2023, os preços subiram para todos os tipos de cacau. Isso fez com que os agricultores vendessem o simples por um preço alto para as grandes marcas e, com o valor garantido, desistissem da trabalheira que é produzir o cacau especial – sim, dá mais trabalho, exige mais cuidado e demora mais a vender, como tudo que é de qualidade.
Agora as empresas artesanais enfrentam esse cenário: pouco cacau disponível e o que tem está caríssimo.
“Foi uma questão tão drástica (para as Bean to Bar), que se tornou quase impossível planejar potenciais aumentos de produção ou continuar trazendo produtos com alto teor de cacau, como as barras intensas, aquelas com 70% de cacau para cima.”
E as marcas grandes, aquelas que estampam barras, bombons e ovos de Páscoa no supermercado? Estão bem, obrigada: já que pagaram mais pelo cacau, reduziram a porcentagem da amêndoa no chocolate e ainda subiram os preços finais. O milenar ganha-ganha.
Para o consumidor, que só queria um chocolatinho para adoçar a Páscoa e o resto do ano, é o milenar perde-perde: mais custo, menos sabor e qualidade.
Quem sabe dar uma chance às empresas de chocolate Bean to Bar? Além de apoiar os pequenos produtores artesanais, tens a chance de experimentar um chocolate autêntico, com sabor verdadeiro de cacau e notas sensoriais que nunca poderiam ser encontradas dentro das embalagens coloridas do supermercado.
O Comida com História te deseja uma Páscoa renovadora e repleta de cacau.

Saiba mais Para se aprofundar sobre a crise do cacau, recomendo essas reportagens: 1. Produção mundial de cacau enfrenta crise e um dos fatores é o climático. 2. Cadê o cacau que tava aqui? 3. Os últimos dias do chocolate.
Por Amanda Santo