É hora do almoço e estou sentada na praça. Abro minha marmita numa mesa de piquenique. Olho ao redor. Uma gaivota sobrevoa o rio que passa por aqui. Ela procura por um peixe. O rio nasce muito fraco lá no alto da serra e vem crescendo e ganhando força no caminho. Depois de passar por mim vai dar no mar.
Observo a gaivota caçando o peixe. É hora do almoço também para ela. Antes de comer, respiro fundo o vento que bate nas árvores daqui. Ouço o barulho de folhas, enquanto pego os talheres. Tenho vontade de tirar foto desse dia, mas esqueço por alguns instantes o celular. Esqueço redes sociais. Mídias, algoritmos, tecnologia em excesso. Esqueço tudo para estar aqui. E comer.
No meu prato, muita cor. Cereais integrais, legumes ao vapor e grãos. Mastigo… devagar… muitas vezes… até engolir a comida com calma. Uma comida de casa, morninha e temperada. Equilibrada. Me abraça por dentro enquanto a natureza de fora me lembra que também sou parte dela.
Esta cena é um desenho do que pode significar o ato de comer para um praticante de alimentação macrobiótica, filosofia antiga mas ainda tão mistificada e desconhecida. Divulgada pela primeira vez no século 17, a macrobiótica passou por muitas transformações até chegar aqui, hoje, a época do boom tecnológico.
O que é macrobiótica?

Essa forma de se alimentar e viver foi baseada na filosofia chinesa e impactada pelo taoismo. A mistura com a religiosidade dos povos originários da Ásia é refletida na noção ainda hoje seguida: a de que tudo no universo carrega um conjunto de forças que se dividem entre yin e yang. O suave e o forte. A tranquilidade e o caos.
A palavra macrobiótica vem do grego, que junta os conceitos de macro (grande), bio (vida) e ótica (visão). Macrobiótica seria o mesmo que “a grande visão da vida”. Isso significa que desde sua origem essa filosofia traz como conceito principal a confluência de energias entre nós, humanos, e o resto do universo. Trazendo para uma perspectiva menos mística, é um estímulo a perceber os seres humanos como animais em convivência com outros animais e plantas num respeito mútuo, em sinergia e equilíbrio total. E isso, claro, passa pela alimentação. Ou melhor: é o centro de tudo.
Cereais integrais, legumes e leguminosas. Essa é a base alimentar da doutrina que também destaca a importância da atividade física. Afinal, não existe yin/yang sem um corpo saudável e forte.
Reconexão
No decorrer dos séculos, a fama da macrobiótica atingiu seu auge quando passou a ser praticada como medicina, ou seja, virou promessa de tratamento de saúde feito através dos alimentos. Em outras palavras, pseudociência. Isso aconteceu especialmente nos séculos 18 e 19 através de médicos que se tornaram referências no assunto. Eles não só praticavam como também acreditavam ser esta uma fonte de cura.
Sem nenhuma comprovação até hoje, essa é uma linha que segue rejeitada pela ciência moderna. Mas isso não quer dizer que a macrobiótica deva ser descartada como estilo de vida ou filosofia, já que traz na sua essência algo que precisamos muito resgatar: nosso equilíbrio com o que está ao redor, incluindo a forma como escolhemos alimentar nossos corpos.

No momento em que crescem cada vez mais alternativas de alimentação, como é o caso do veganismo, a macrobiótica pode ser ressignificada. O veganismo, que exclui todo alimento proveniente de exploração animal, como carne, ovos e leite, é mais do que uma dieta, é um estilo de vida baseado em ética e posicionamento político diante do colapso social e ambiental. A macrobiótica se aproxima dessa vontade de um mundo mais igual, embora tenha menos viés político do que místico e não necessariamente exclua alimentos de origem animal do cardápio. Mas são práticas irmãs, já que se apresentam como fonte de reconexão com a natureza. E muitos macrobióticos hoje não conseguem dissociar sua filosofia do veganismo, se tornando também veganos.
O movimento Slow Food também encontra afinidades com o que pensam os macrobióticos. Uma das diretrizes da filosofia oriental é, por exemplo, o uso de alimentos orgânicos da estação plantados na região, comprados de produtores locais. Esse é o caso de um restaurante que conheci recentemente aqui em Coimbra, onde moro.
Cozinha Consciente

No segundo andar de uma galeria, escondido dos grupos de turistas com câmeras fotográficas e celulares, está o Cozinha Consciente, restaurante macrobiótico e vegano. Não há uso de açúcar refinado nem qualquer produto ultraprocessado. Os alimentos são comprados de produtores orgânicos da região e preparados sem pressa pelo chef. Servido também sem pressa por um funcionário. Ele monta prato a prato com tranquilidade e cuidado.
O lugar é silencioso, apesar de movimentado. As pessoas entendem a filosofia e se comportam como tal. Ali não existe lugar para agitação. Apenas apreciação de um prato coloridíssimo, muito saboroso e nutritivo. Nesse dia, o menu era arroz integral, cozido de grão-de-bico, legumes ao vapor e um rocambole de espinafre delicioso.

Tempo. Reserve tempo, é a dica. Para esperar o rapaz servir o prato, para mastigar, entender os sabores. Observar o restaurante simples, as pessoas ao redor e, mais do que tudo, observar a si mesmo como parte de tudo.
Seja dentro de um restaurante no meio da cidade, seja na praça ou até numa floresta, o que importa para a macrobiótica é olhar ao redor e perceber a troca de energias. O balanço de forças e a confluência de tudo. Começando pelo prato.
Por Amanda Santo