Mais uma semana e o Brasil inteiro entra naquele ritmo festivo, onde a alegria toma conta das ruas do país. É o carnaval chegando!
Mesmo sendo uma festa pela qual o Brasil é conhecido mundialmente, o carnaval não é exclusividade nossa. Na Itália, por exemplo, ele existe há muito tempo. Já nos tempos da Roma Antiga se celebrava o “Saturnali”, que era uma festa muito parecida com os carnavais de hoje.
Naquele período, durante essa festa popular, grandes banquetes eram servidos para as pessoas se alimentarem bem antes das privações religiosas da quaresma, que vinha logo na sequência. O termo “carnaval”, inclusive, vem do latim “carne levare”, que significa “afastar-se da carne” ou “abster-se da carne”. Ele começou a ser usado nos séculos XI e XII e referia-se à véspera da quarta-feira de cinzas, quando se iniciava a abstinência da carne. Ou seja, o carnaval era o último dia permitido para o consumo de carne antes da quaresma.

Foi nesses banquetes carnavalescos que surgiu um quitute que virou o símbolo do carnaval italiano: a “frictilia”, um doce frito na banha de porco feito à base de ovo e farinha de farro, que era cortado em pedaços e distribuído para a multidão que estava nas ruas.
Pela facilidade da receita, por serem nutritivos e por seus ingredientes custarem pouco, ele era feito em grandes quantidades pra durar todo o período da quaresma. Esse doce é o que conhecemos no Brasil como “orelha de gato”.
Provavelmente assim como você, eu não conhecia essa história. Só fui aprender depois de morar na Itália por um tempo. No primeiro mês de fevereiro lá, ao frequentar cafés e padarias, revivi memórias da minha infância no Brasil.

Foi quando comecei a ver “orelhas de gato” como as que as minhas tias e avó paternas faziam pra mim e meus irmãos quando éramos crianças. Elas estavam por todos os lugares! Sequinhas polvilhadas com açúcar, mais grossinhas, recheadas de geleia de frutas – o que não faltava eram as tais orelhas de gato pra me sentir um pouquinho mais perto da minha família.
A família do meu pai é de origem italiana e a tradição culinária das massas e da polenta sempre fez parte da vida deles, mas também esse doce que chamavam de “grostoli”. Meus antepassados que vieram de lá mantiveram viva essa paixão que os italianos têm pela sua gastronomia. As receitas foram passando de geração em geração, levando adiante o patrimônio que é a comida italiana.
A memória da orelha de gato na casa da nonna – crocante, nem doce nem salgada, coberta com açúcar que, como que por um toque de mágica, se desmanchava na boca, agora não fica só na memória. O doce ganhou o paladar dos brasileiros e, melhor ainda do que na Itália, pode ser encontrado durante o ano inteiro, não somente durante o período de carnaval!
Assim como no Brasil o doce também pode ser chamado de “cueca virada”, “grostoli”, “cavaquinho”, entre outros, na Itália, dependendo da região que se vai, ele tem um nome. No Piemonte, onde eu estava, é chamado de bugie. Na Lombardia e na Campania, chiacchiere. Na Toscana, cenci. Na região trentina, grostoi, e no Vêneto, crostoli, bem parecido com o nome chamado na casa da minha avó.
Essa é a tal memória afetiva que, no meu caso, foi engatilhada por um doce cheio de histórias de carnaval.
Por Leyla Spada