É cedo mas o sol já está alto, e a temperatura que chega a 27 graus às 8 da manhã anuncia outro dia quente no Vale do Itapecuru, no estado do Maranhão. Será uma longa caminhada para uma fazenda cheia de palmeiras nativas conhecidas como Babaçu, uma espécie encontrada somente na transição dos biomas Amazônia, Cerrado e Caatinga, na Mata dos Cocais.
Maria Catarina não é mais uma mulher jovem. Com 69 anos, ela sabe que na volta da fazenda não vai aguentar o peso da cesta de palha feita com as fibras da folha do Babaçu. Apesar disso, ela deseja que a cesta esteja cheia com as frutas dessas palmeiras da qual dependem 350 mil mulheres da região. Para conseguir carregar, ela conta com a ajuda de um burro. Algumas outras colegas do grupo carregam suas cestas na cabeça ou nas costas.
“Eu queria que as pessoas vissem a nossa história como um exemplo de força. Nós conquistamos muitas coisas, graças a Deus, por causa da união e por não desistir no primeiro obstáculo”, fala Maria Catarina.
O babaçu
Apesar do nome Babaçu significar “Fruta Grande”, a fruta da palmeira é pequena e arredondada, mas muito rica em nutrientes. Pode ser usada quase que em sua totalidade como base para muitos produtos, de leite a carvão. Sua forma é parecida com um seio feminino, como um sinal da natureza dizendo que é capaz de alimentar qualquer um que precise. Mas é também um símbolo feminino que traz a relação com uma atividade extrativista que por muitos anos tem sido feita basicamente por mulheres, como o grupo da Maria Catarina.
Enquanto as mulheres entram na mata procurando pelas frutas caídas no chão ou tentando derrubar algumas dos cachos, elas cantam. Essas canções as conectam com as gerações passadas de Quebradeiras de Coco Babaçu.
Quebradeira de coco
É babaçu ê, iá
A dor é um coco ruim de quebrar
A dor é um coco ruim de quebrar
Lá no meu interior
Tem uma coisa que não tem nome
Lá no meu interior
Tem uma coisa que não tem nome
Quando eu dou nome à coisa
A coisa some
Menino que coisa é essa?
Ele me respondeu: “É fome!”
O passado das quebradeiras de coco babaçu
Era fome o que tinha a mãe de Maria Catarina ao pegar a filha de 10 anos e seus outros sete filhos com pressa e sair para a mata coletar babaçu. Na volta, todos sentaram em círculo e com machados quebraram as castanhas para remover o coco, na época a única parte da fruta que tinha valor.
Com o dinheiro da venda do coco, a mãe de Maria Catarina comprou comida para a família. Todas as crianças ajudaram quebrando o coco como podiam. “Não importava se o que eu quebrava rendia uma caneca ou um quilo. Todos ajudavam. Mas algumas vezes a gente competia pra ver quem quebrava mais”, conta Maria Catarina rindo da memória de uma infância dura, que ela percebia como uma brincadeira.
“Acredito que já teve um período mais difícil”, relata ela.
Quando Maria Catarina cresceu, ela começou a catar seus próprios cocos, pois sua mãe deixava ela vender para comprar roupas e cobrir seus gastos. Já seus irmãos passaram a trabalhar em atividades um pouco mais valorizadas, como mineiros, agricultores e na construção civil.
Ficou raro ver homens quebrando coco babaçu. As mulheres da comunidade foram deixadas com as atividades de menos valor, como coletar babaçu, quebrar o coco e cuidar das crianças. E foi a partir de um dilema entre cuidar da família e buscar sustento que um movimento solidário nasceu entre mulheres do município maranhense de Itapecuru Mirim.
Clube de Mães
O grupo Clube de Mães Quilombolas Lar de Maria foi criado por quebradeiras de coco babaçu que são mães. Trabalhando como um time, elas conseguem apoiar aquelas que apenas tiveram filhos. Enquanto a nova mãe não pode fazer seu trabalho usual, as outras fazem turnos para ter a certeza que a vida dela – incluindo o bebê, sua casa e trabalho com o babaçu – está sendo cuidada. A ajuda mútua fez com que se tornassem mais próximas e fortes.
“Nós trabalhamos na agroindústria, cuidamos das nossas casas, filhos e maridos. É uma rotina muito ocupada” – Maria Catarina
Essas mulheres perceberam o poder que elas têm juntas e passaram a desenvolver seu trabalho inspiradas na resiliência da palmeira Babaçu que, de forma carinhosa, chamam de “Mãe”. Não somente porque ela leva nove meses pra maturar a fruta, mas por sua generosidade com o ser humano, mesmo ele causando o aumento do desmatamento no Brasil.
“O babaçu tinha perdido valor, mas nós conseguimos recuperá-lo”, diz Maria Catarina.
Nos últimos dez anos, elas passaram de simples quebradeiras de coco babaçu e vendedoras para empreendedoras em uma agroindústria comunitária, onde a fruta é processada e transformada em farinha, bolo, pão, sorvete, pó de café de babaçu, entre outros produtos. “O mesocarpo da fruta é um remédio maravilhoso para gastrite, basta uma colher antes da refeição”, recomenda Maria Catarina, que também é integrante do Clube de Mães.
“Eu tenho orgulho em ser descendente de quebradeira de coco babaçu”, fala Roselma Licar, presidente do Clube. Com 31 anos de idade, ela pertence à quinta geração da família quebrando coco babaçu. “A gente ainda faz o trabalho de forma artesanal. Entramos na mata, pegamos o coco e quebramos com machado”, narra Roselma.
Programas do governo federal como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) que compram da agricultura familiar e agroindústrias comunitárias auxiliam no escoamento da produção. As mercadorias são distribuídas para a merenda em escolas públicas e entre famílias de baixa renda. Dessa forma, as quebradeiras de coco babaçu têm a chance de ganhar mais do que quando vendiam somente o coco. Segundo Roselma, a evolução da atividade possibilitou que elas alcançassem muito mais pessoas e trouxessem mais riqueza para a comunidade.
A união que fortalece
“Existem diversos grupos de quebradeiras de coco babaçu no Brasil”, diz Roselma. Ela explica que a importância da união entre esses grupos vai além da troca de conhecimento. Unidas, elas passam a ser vistas e começam a alcançar seus objetivos. Um deles era ter acesso livre às palmeiras de Babaçu localizadas dentro de propriedades privadas. Com o aumento das fazendas de gado e soja e das plantações de milho no Maranhão, elas notaram uma grande redução no número de árvores de Babaçu. Então, em 2007, a lei “Babaçu Livre” foi criada para permitir que as quebradeiras de coco babaçu chegassem até as árvores. A lei agora rege 15 cidades no estado. E tem mais: a palmeira de Babaçu se tornou uma espécie protegida pelo governo.
“Babaçu é riqueza. Sua palmeira é uma mãe. O babaçu nos dá tanto e ainda funciona como remédio” – Roselma Licar
A história dessas mulheres reúne muita perseverança, luta, força e união. “Nós só chegamos onde estamos hoje por causa da nossa união”, reforça. A união delas trouxe suporte financeiro para que construíssem sua própria agroindústria. Esse fato isolado já faz delas quebradeiras de coco babaçu diferentes das do passado, como Maria Catarina e sua mãe.
Mas elas ainda não chegaram ao ponto em que queriam. “Nossa conquista não está completa”. Maquinário individual para que a quebra do coco seja mais fácil está sendo desenvolvido, assim como a melhoria dos produtos para serem mais bem aceitos. Duas prioridades. “Nós queremos que as pessoas reconheçam a quebra do coco babaçu como uma atividade que tem protegido a cultura e a ancestralidade de comunidades do Maranhão”, diz a presidente do Clube.
Se Roselma, Maria Catarina e o grupo de mães desejam isso, o poder feminino que circunda o Babaçu fará que aconteça, afinal, a exploração do potencial total dessa fruta incrível foi somente possível porque essas mulheres provaram que juntas podem melhorar seu próprio potencial.
Por Leyla Spada e Olavo Pereira Oliveira
Ilustrações de Soojin Yang