O sonho de se tornar pais pode virar um pesadelo para muitos casais. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que uma em cada seis pessoas é afetada pela infertilidade, o que corresponde a cerca de 17,5% da população mundial.
De acordo com a OMS, infertilidade é uma doença do sistema reprodutivo masculino e feminino com base numa tentativa fracassada de engravidar durante doze meses seguidos ou mais.
Várias podem ser as causas da doença, desde anomalias no sistema reprodutivo feminino, problemas hormonais, baixos níveis de esperma no homem, além de outros motivos, incluindo o avanço da idade tanto da mulher como do homem.
Mas o que é novidade para parte desses casais, é que a alimentação pode ter uma influência significativa na infertilidade, e é por isso que o Comida com História conversou com a nutricionista Bettina Moritz, especialista em nutrição e fertilidade.
Acompanhe a entrevista.
Comida com História: Qual a relação da nutrição com a infertilidade?
Bettina Moritz: A nutrição desempenha um papel fundamental na fertilidade de homens e mulheres. Há vários aspectos onde a dieta interfere nesse processo, até mesmo no estado nutricional desse indivíduo. Um exemplo disso é uma dieta inadequada em calorias, tanto em macronutrientes, quantidade de carboidrato consumido, de proteína, o tipo de gordura e até mesmo de micronutrientes, como deficiência de zinco, vitamina D, ômega 3, entre outros micronutrientes que são essenciais para a formação dos óvulos e dos espermatozoides. Uma dieta inadequada pode ser determinante no processo de geração da infertilidade. Além disso, o consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, que é muito comum na dieta ocidental, está totalmente relacionado ao aumento do risco da infertilidade.
Comida com História: Em um mundo em que as pessoas trocam uma alimentação mais saudável por uma mais prática, mais instantânea, com mais ingestão de alimentos ultraprocessados, é possível dizer que a população está se tornando menos fértil? Existem estudos que comprovem isso?
Bettina Moritz: Sim, existem estudos que sugerem uma ligação entre o aumento do consumo de alimentos processados e ultraprocessados e uma diminuição da fertilidade total da população. Então dietas ricas nesses alimentos ultraprocessados, açúcar refinado, gordura trans, pobres em nutrientes que são essenciais, em vitaminas, minerais e fibras têm um impacto direto e negativo na chance de gestação. Hoje a gente tem aí em torno de 15% da população mundial já classificada como infértil, mas esse número tende a aumentar e muito.
Comida com História: As mulheres estão demorando mais pra engravidar, o que afeta diretamente na idade do óvulo, um dos grandes motivos da infertilidade. Como a nutrição pode ajudar com o fator envelhecimento de óvulos?
Bettina Moritz: Sim, as mulheres têm realmente buscado engravidar mais tarde, e isso logicamente impacta diretamente na idade do óvulo. E a nutrição pode desempenhar um papel crucial em ajudar na diminuição desse processo de envelhecimento pela deficiência de nutrientes desses óvulos, de antioxidantes. Um dos impactos onde a nutrição gera uma melhora da qualidade desses óvulos no envelhecimento ovariano é a adoção de uma dieta mais saudável como, por exemplo, a dieta mediterrânea. Alguns artigos científicos mostram que ela está totalmente associada a uma melhora da qualidade dos folículos em mulheres mais velhas. Há também estudos que mostram que o consumo de alimentos ricos em beta criptoxantina*, por exemplo, atrasa a entrada na menopausa, o que traz uma diminuição do processo de envelhecimento. E mais: um aumento do consumo de antioxidantes, coenzima Q10, ômega 3 e até mesmo vitaminas do complexo B parece ter algum efeito na melhora da diminuição da velocidade do processo de envelhecimento.
*alguns alimentos ricos em beta criptoxantina: mamão, manga, laranja, milho, pimentão, gema de ovo e manteiga.
Comida com História: Existe um tratamento padrão ou cada caso deve ser analisado individualmente?
Bettina Moritz: Eu costumo dizer que existe uma base bem feita, aumentando o consumo de frutas, vegetais e fibras, reduzindo o consumo de refinados, açúcares e ultraprocessados. Mas sim, alguns detalhes precisam ser avaliados individualmente, o que pode impactar ou até mesmo ser determinante para que esse casal consiga engravidar. Por exemplo, a gente precisa avaliar o estado nutricional da pessoa, a metabolização, absorção, presença ou não da disbiose* e deficiências nutricionais específicas, a presença de alergias, intolerâncias, doença autoimune, resistência à insulina, diabetes, comorbidades associadas à infertilidade como endometriose, síndrome do ovário policístico, presença ou não de toxinas ambientais. Então depende até de onde esse casal está habitando, as toxinas que eles entram em contato, e a presença de alterações genéticas, os chamados polimorfismos, tudo isso impacta diretamente a fertilidade.
*disbiose: a disbiose intestinal é o desequilíbrio no crescimento de microrganismos que naturalmente são encontrados no intestino, podendo causar sintomas como náusea, excesso de gases, desconforto no abdômen, diarreia ou prisão de ventre.
Comida com História: Como é feito o tratamento? Por meio de dieta e uso de suplementos?
Bettina Moritz: O tratamento do casal infértil envolve alguns passos importantes para que a gente tenha uma melhora significativa da fertilidade. O primeiro passo é uma avaliação inicial, onde se faz um histórico, uma anamnese nutricional muito bem detalhada para o casal, identificando deficiências nutricionais, excessos também, avaliação dos hábitos alimentares, e o que pode estar impactando no processo de fertilidade. A partir dali é o segundo passo, quando exames laboratoriais são solicitados para avaliar as deficiências nutricionais, deficiências de minerais, como estão os parâmetros hormonais, a tireoide, tudo o que seja essencial e que possa impactar diretamente na fertilidade, incluindo alergias alimentares. Sabendo dos hábitos alimentares desse paciente, a gente vai para a montagem de uma dieta mais equilibrada, rica em frutas e vegetais, grãos integrais, proteínas magras, gorduras saudáveis, alimentos ricos em ômega 3 como peixes mais gordurosos, produtos lácteos se esse paciente puder consumir, e aí sempre de boa procedência. Um produto lácteo fresco pode ser trocado por produtos lácteos de búfala ou alimentos ricos em ou enriquecidos com cálcio, dependendo da situação. Avalia-se a necessidade de suplementação de nutrientes importantes para a saúde do folículo, mas não só o ácido fólico, mas a vitamina B12 e outras vitaminas do complexo B, coenzima Q10, ômega 3. É necessário avaliar zinco e selênio, e se em deficiência, repor esses micronutrientes, além de avaliar a vitamina D, que é crucial para o processo de envelhecimento. Nessa avaliação a gente verifica também o estilo de vida. É necessário reduzir o estresse, é importante que esse paciente pratique exercícios físicos. A gente identifica de onde vem possíveis toxinas ambientais. Melhorar a qualidade do sono desse paciente é muito importante para a saúde dos folículos, e a partir dali então ele tem o acompanhamento, que vai avaliar os nutrientes que estavam em deficiência, se melhoraram ou não, se teve uma melhora significativa dos parâmetros que esperávamos, e aí regularmente ele retorna à nutricionista até que a gente tenha um ajuste e adequação dessas alterações encontradas.
Comida com História: Nesses anos atuando na área, quais os casos mais comuns de infertilidade ligada à nutrição? Erros na dieta, carência de quais tipos de alimentos e nutrientes?
Bettina Moritz: Os casos mais comuns no meu consultório são endometriose, envelhecimento ovariano e síndrome do ovário policístico. Entre os erros da dieta e carências nutricionais talvez o mais comum seja o consumo calórico, muito alto ou muito baixo. Baixo consumo de cálcio também é bastante comum, deficiência de vitamina D também é outro fator bastante recorrente.
Comida com História: Existe alguma influência dos padrões alimentares por país, por exemplo? Como o Brasil pode ser identificado?
Bettina Moritz: Os padrões alimentares variam sim significativamente entre os países. Essas diferenças influenciam na fertilidade das populações com toda certeza. No padrão alimentar no Brasil, se for uma dieta mais tradicional como dos antigos – a composição incluía arroz, feijão, carnes, frutas, principalmente as frutas tropicais, vegetais, raízes -, isso favorecia a saúde e uma melhor fertilidade. Mas, recentemente tem-se visto um aumento no consumo dos processados, ultraprocessados, fast food, refrigerantes, doces, açúcares, bebidas açucaradas e gordura trans, e tudo isso tem tido um impacto bastante grande, levando para um aumento dos índices de infertilidade. Se a gente for comparar com uma dieta padrão dos Estados Unidos, logicamente nós ainda temos uma dieta mais saudável frente à dieta americana, mas ainda muito longe de alguns padrões alimentares orientais muito mais saudáveis e que poderiam impactar diretamente na saúde, na fertilidade desses casais.
Comida com História: Sabe-se que a qualidade do esperma masculino tem papel fundamental no desenvolvimento de um embrião saudável. Tem como melhorar a qualidade do espermatozoide também por meio da alimentação?
Bettina Moritz: Com toda certeza a qualidade do esperma pode ser melhorada através da alimentação e da nutrição. Alguns nutrientes são essenciais para a produção e para a qualidade desse esperma, como alguns antioxidantes como a vitamina C, a vitamina E, o selênio, o zinco, ácido fólico, coenzima Q10, ômega 3, além de padrões alimentares mais saudáveis como a dieta mediterrânea, hidratação adequada e redução do consumo de ultraprocessados, álcool e cafeína.
Comida com História: Se fosse possível dar dicas de alimentação que ajudam na fertilidade, quais as três principais? Tanto para mulheres como para homens?
Bettina Moritz: A primeira dica seria adotar uma dieta rica em antioxidantes. Homens e mulheres teriam grandes benefícios. Também alimentos ricos em vitamina C e em vitamina E. Ricos em vitamina C a gente tem principalmente as frutas cítricas, como morangos, kiwi, os campeões que são acerola e o camu camu. A vitamina E tem no abacate, nas nozes, oleaginosas e óleos vegetais como azeite de oliva. O selênio é importante e está presente na castanha do Pará, também chamada de castanha do Brasil, além do zinco, presente nas carnes, nas ostras, em especial, sementes, semente de abóbora, e nas leguminosas, que é outro nutriente bastante importante. Uma segunda dica seria consumir gorduras mais saudáveis, principalmente peixes gordos ricos em ômega 3, e ácidos graxos monoinsaturados, achados no azeite de oliva, abacate, amêndoas – isso auxiliaria bastante. E a terceira dica seria incluir alimentos ricos em ácido fólico, que é um nutriente extremamente importante para a preparação para a gestação. Ele é crucial na divisão celular e na formação do DNA. A gente vai ter ácido fólico nos vegetais de folhas verdes, principalmente os verde-escuros como o espinafre, couve, brócolis, nas leguminosas como feijões, lentilhas, grão-de-bico, que são grandes fontes de ácido fólico.
Comida com História: Se tiver que encorajar uma mulher infértil a buscar ajuda de um nutricionista especializado em fertilidade, qual seria uma idade limite na qual os resultados ainda podem ser alcançados?
Bettina Moritz: Eu costumo dizer que não existe idade limite. Enquanto você tem ovulação, existe a chance. É claro que essas chances caem muito com o envelhecimento do ovário, e em média a partir dos 40, 42 anos a gente vai tendo uma queda estatística das taxas de gestação, mas a avaliação é individual. Enquanto não tem falência ovariana, eu recomendaria, encorajaria sim uma mulher a buscar auxílio da nutrição na tentativa da realização do seu grande sonho.