Todos os anos, entre maio e julho, depois que as hordas de turistas vão embora, é a vez dos cardumes de tainha chegarem em peso ao litoral catarinense. Para a comunidade da Barra da Lagoa, em Florianópolis, a safra da tainha é um momento tão aguardado quanto a própria temporada de verão.
Quando a Lagoa dos Patos, no sul do Rio Grande do Sul, começa a ficar mais gelada, as tainhas migram para o norte devidamente preparadas com uma robusta capa de gordura para aguentar a viagem, além do mais importante: duas bolsas douradas contendo cerca de 80 mil ovas para serem lançadas em águas catarinenses.
Mas nem todo cardume consegue completar a viagem, afinal, a chance de uma tainha ser capturada por uma rede de pesca é considerável. Na Barra da Lagoa, Silvano Santos e os outros quatro tripulantes de seu barco estão a postos apenas aguardando um sinal para montar o cerco aos peixes.
Rotina de pescador
Eles ficam esperando o aviso do vigia, pescador experiente que fica posicionado em um lugar alto, no costão, e consegue enxergar os cardumes de longe. “Assim que é avistado o cardume da tainha, todos assumem a posição”, descreve Silvano.
“Um na boia e outro no chumbo. Também fica um na proa da embarcação, para orientar o comandante à direção do cardume. Ao sinal do comandante, a rede é largada. Fazendo o cerco, todos recolhem a rede com a orientação do comandante”.
Essa rotina se repete inúmeras vezes ao longo dos 92 dias da safra da tainha, período em que é permitida a pesca artesanal da espécie. “É uma safra rápida, então não pode perder tempo”, observa Silvano. Toda a comunidade se envolve: quem não vai para o mar, ajuda a consertar as redes ou mesmo a puxar os cardumes para fora d’água, o que já garante uma ou duas tainhas de brinde.
Mais do que o fator cultural, Silvano explica o que faz da tainha um peixe tão diferenciado em relação aos outros. “Para as comunidades pesqueiras aqui de Santa Catarina, é a melhor safra. É diferente da corvina, da anchova e outros peixes. A tainha é uma safra que tem valor, pela exportação de ovas”.
Ovas de ouro
No Mercado Público de Florianópolis, durante a safra da tainha, um peixe com ovas custa em torno de R$ 20 por quilo, enquanto o preço de um exemplar sem ovas cai para R$ 15. Essa pequena diferença não condiz com o valor que o produto pode ganhar após ser processado para exportação.
A mesma ova fresca que você leva para casa por R$ 5 a mais na peixaria custa a partir de R$ 42 na loja online da Bottarga Gold, empresa de Itajaí que converte o produto para a sua versão curada, mais conhecida como bottarga.
O processo de desidratar as ovas de peixe no sal para fazê-las durar mais foi descoberto pelos fenícios, que habitaram o Mar Mediterrâneo há milhares de anos. E foi a forma encontrada para preservar uma carga de 50 toneladas do produto que ficaram encalhadas em Itajaí durante a crise de 2008, que fez as exportações despencarem.
Oportunidade
Assim nasceu a Bottarga Gold, que passou a tratar o produto como caviar brasileiro. Segundo o diretor de vendas Gabriel Seixo, a produção gira em torno de 120 quilos por mês. “Os principais mercados para exportação são Estados Unidos, Japão e União Europeia, sendo que o Brasil está proibido de exportar qualquer tipo de pescado para a Europa no momento e, consequentemente, Bottarga também”, explica.
A empresa pesqueira Cais do Atlântico, sediada em Laguna e com filiais em Itajaí e Rio Grande (RS), também exporta ovas de tainha, mas na sua versão natural. O gestor comercial Dagoberto Castoldi explica que o produto é congelado antes de embarcar para outros países. Além disso, precisa vir de pesca legalizada, com rastreabilidade, notas fiscais e declaração do IBAMA e MMA.
Safra na pandemia
Para os pescadores artesanais, a ova da tainha garante não apenas a valorização do trabalho, como também uma boa fritada, bastante apreciada na cultura manezinha. E apesar da nova rotina e dos cuidados exigidos pela pandemia do coronavírus, a safra de 2020 promete ser maior que a dos anos anteriores.
Para Silvano, neto e filho de pescador que retira seu sustento do mar há 28 anos, é uma ótima notícia. “A importância da pesca artesanal da tainha para minha história é a permanência da tradição passada de geração para geração na minha família desde meus bisavós até mim”.
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